Torcer não salva vidas: infectologista esclarece pesquisas sobre hidroxicloroquina

April 9, 2020

16 dias após tratar a pandemia da Covid-19 como “gripezinha” em pronunciamento oficial, Jair Bolsonaro sente sua popularidade ameaçada e, após mais de 800 brasileiros mortos, tenta ajustar seu tom. Em novo pronunciamento oficial, ontem, o presidente tentou reverter sua imagem de negligência apostando todas as suas fichas na Hidroxicloroquina, politizando um remédio.

É claro que todos, sem exceção, desejam encontrar a cura da Covid-19 o mais rápido possível. Para isso, precisamos de ciência bem feita, não de torcida organizada. No LivresNotícia de hoje, conversamos sobre o panorama das pesquisas com hidroxicloriquina com o médico infectologista Artur Brito, associado do Livres e que atua na linha de frente do combate ao Covid-19 em São Paulo.

O que dizem as pesquisas?

Mais de cem drogas estão sendo testadas no momento, ainda sem conclusão satisfatória para comprovar a eficácia no tratamento. No caso da hidroxicloroquina, tudo começou com um estudo publicado na revista científica Nature, que mostrou boa ação antiviral “in vitro” da droga — ou seja, em laboratório. É importante lembrar que, muitas vezes, drogas com boa ação “in vitro” podem falhar nos testes “in vivo” — ou seja, em organismos vivos, com metabolismo próprio, como seres humanos. Esse foi o caso da própria HCQ, por exemplo, em relação a outro conhecido dos brasileiros, o Zika vírus.

Um outro artigo, francês, causou grande alvoroço e levou o medicamento a sumir das prateleiras das farmácias, alardeado como a “cura da Covid-19”. Infelizmente, o estudo apresenta limitações importantes. Primeiro, a amostra de pacientes foi MUITO pequena (menos de 40). Além disso, o estudo NÃO avaliava desfechos clínicos (ou seja, se os pacientes tiveram menos tempo de sintomas, se tiveram sintomas mais leves, se morreram menos e etc). Ele avaliava apenas se o exame que detecta o vírus ficava negativo mais rápido (o que chamamos de clearance viral) quando comparados com pacientes que não usaram a medicação.

Um segundo estudo, dessa vez chinês, foi publicado com a avaliação de desfechos clínicos: tempo de febre, tempo de tosse e melhora do padrão da tomografia de tórax (um exame era realizado um dia antes do início da terapia e um segundo um dia após o fim). Novamente a limitação foi o pequeno número de pacientes avaliados (62, nesse caso), e novamente o resultado foi positivo (em todos os aspectos avaliados). Outra limitação deste estudo é o fato de que pacientes GRAVES foram EXCLUÍDOS. Isso é particularmente ruim, pois a maioria dos lugares têm usado a droga justamente nesse grupo!

Existem vários outros estudos em andamento, alguns com centenas de pacientes, inclusive no Brasil, tentando avaliar a eficácia da HCQ contra o Covid e qual perfil de paciente realmente se beneficiaria do uso da medicação.

O que podemos afirmar no momento?

1. A HCQ é tratamento comprovado para doenças reumatológicas graves, como Lúpus, e vem sumindo das farmácias, deixando milhares de pacientes sem acesso ao remédio

2. A HCQ tem ação “in vitro” contra o Covid-19

3. A HCQ PODE ter efeito, em casos leves, na redução do tempo de sintomas

4. Mais estudos são necessários para avaliar se a HCQ reduz mortalidade, se produz algum benefício em casos graves e se o benefício em casos leves é real (para isso, precisamos conseguir replicar esse achado em outros estudos com um maior número de pacientes)

O que fazer, então?

É preciso ganhar tempo. Apenas continuando com as pesquisas científicas será possível desenvolver um tratamento eficaz e seguro contra a Covid-19. No momento, é fundamental manter as medidas de isolamento social e higiene redobrada para evitar que a rápida disseminação do vírus provoque um colapso do sistema de saúde e uma explosão ainda maior do número de mortos.

O uso de HCQ e outras alternativas promissoras no combate a Covid-19 devem ser deixadas para decisão caso a caso, por médicos especialistas, sem politização.

Além disso, relaxar as medidas de isolamento social agora é irresponsável. Simplesmente torcer não salva vidas. Conter o pico da epidemia e achatar a curva de transmissão, sim.

Conheça a proposta do Livres para o enfrentamento da Covid-19