Mobilidade urbana em João Pessoa: desafios, polêmicas e soluções

February 27, 2023

Cidades

Se você mora em João Pessoa, capital da Paraíba, e depende de transporte público para se locomover, sabe o desafio que é esperar a sua linha de ônibus chegar (horas na parada, talvez) e se locomover pelos engarrafamentos durante todo o trajeto, muitas vezes em pé no ônibus. Devido a isso, quem tem condições adquire seu próprio veículo para se locomover no dia-a-dia, e sabemos o quanto isso piora a situação de fluxo de veículos. Não é coincidência, pois a cidade cresceu bastante nos últimos anos, mas a infraestrutura de transporte não acompanhou essa evolução.  Dada essa realidade, é urgente encontrar alternativas para melhorar o trânsito e reduzir o tempo gasto nos deslocamentos diários.

A primeira solução para esse problema é ter alternativas de mobilidade. Não basta ter apenas um meio de transporte disponível. É preciso contar com uma gama de opções que atendam às necessidades e às possibilidades de cada pessoa. A tecnologia tem um papel fundamental nesse processo, e pode ser uma grande aliada na busca por soluções inovadoras. O transporte por aplicativo, por exemplo, tem se popularizado bastante em João Pessoa. Com empresas como Uber e 99, é possível solicitar um carro particular de forma rápida e segura, por vezes com o preço mais acessível que o transporte público, a depender de quantos viajem juntos. Outra opção é o app Jampa Bus, que mostra uma previsão de chegada dos ônibus em cada parada, permitindo que os usuários planejem melhor seus deslocamentos.

Além disso, outra alternativa importante em João Pessoa é o transporte com motocicletas, conhecido como mototáxi. Essa opção é muito utilizada por quem precisa de agilidade e flexibilidade no trânsito, além de preços mais competitivos. Infelizmente, o serviço foi proibido na cidade com o advento da Lei Municipal 8.210/1997, o que gerou uma grande polêmica e dificuldade para muitos usuários.

Por conta desta lei, demoramos muito para termos o mototáxi como alternativa, mas recentemente os aplicativos de transporte como o UBER e 99 incluíram esta modalidade no seu sistema para que motociclistas pudessem oferecer os seus serviços e pessoas pudessem contratá-los, de forma pacífica e voluntária. Entretanto, tivemos um processo judicial contra os aplicativos de transporte para impedir o serviço de mototáxi, utilizando esta lei como embasamento, que felizmente tal pedido foi julgado improcedente através do Agravo de Instrumento nº 0800366-46.2022.8.15.0000, permitindo assim a continuidade do serviço na cidade. Tal decisão teve como norte as decisões do STF acerca do tema, que inclusive o LIVRES atuou dentro da suprema corte em defesa dos transportes de aplicativos. Graças aos esforços do LIVRES e demais entidades, foi julgado que a competência para legislar acerca de transporte particular é da União, e cabe aos municípios apenas a regulamentação embasada na lei, proibindo assim legislações que proibissem o transporte por aplicativo. 

O curioso é que a ação local para proibir o mototáxi em João Pessoa, diga-se de passagem, foi promovida pelos Consórcios de ônibus UNITRANS e NAVEGANTES, que são os únicos a operarem no transporte coletivo local. Vale destacar que estes dois consórcios pertencem, pasmem, são dominados pela mesma família, a Pereira Nascimento. Alberto Pereira Nascimento e Agnelo Candido do Nascimento são donos das empresas Transnacional e da UNIDAS, e fundadores da UNITRANS, enquanto os filhos Larissa de Melo Nascimento Martins, Leandro de Melo Nascimento, Lorena de Melo Nascimento Dantas e Rodrigo Queiroz Cândido são sócios do consórcio NAVEGANTES. 

Outra movimentação acerca do transporte de mototáxi é o Projeto de Lei do vereador Fernando Milanez Neto, que modifica a lei que proíbe a modalidade para regulamentar. Todavia, as normas contidas neste projeto são intrigantes, pois elas acrescentam obrigações que vão além da legislação federal, como ter no máximo 7 anos de fabricação, possuir o licenciamento no município de João Pessoa, identificar o veículo e ser vedado mais de uma motocicleta por condutor. Além de estar legislando algo que é competência do Congresso Nacional e criando obrigações sem a demonstração de tal necessidade, prejudicando assim a facilidade para o fornecimento do serviço, tais normas podem ir de encontro com o Art. 5º da Lei Municipal de Liberdade Econômica, proposta pelo vereador e mandatário LIVRES Thiago Lucena, que diz:

Art. 5º É dever da Administração Pública Municipal e dos demais entes que se vinculam ao disposto nesta Lei no exercício de regulamentação de norma pública pertencente à legislação sobre a qual esta Lei versa, exceto se em estrito cumprimento à previsão explícita em lei, evitar o abuso do poder regulatório de maneira a, indevidamente:

I – criar reserva de mercado ao favorecer, na regulação, grupo econômico, ou profissional, em prejuízo dos demais concorrentes;

II – redigir enunciados que impeçam a entrada de novos competidores, nacionais ou estrangeiros, no mercado;

III – criar privilégio exclusivo para determinado segmento econômico, que não seja acessível aos demais segmentos;

IV – exigir especificação técnica que não seja necessária para atingir o fim desejado;

V – redigir enunciados que impeçam ou retardem a inovação e a adoção de novas tecnologias, processos ou modelos de negócios, ressalvadas as situações consideradas em regulamento como de alto risco;

VI – aumentar os custos de transação sem demonstração de benefícios;

[..]

Com isto percebemos que o Projeto de Lei pode significar um avanço na regulamentação da profissão, contudo restringirá o ingresso de novos participantes e diminuindo a possibilidade de fornecimento do serviço. Mesmo que não se possa determinar que existe tal intenção no projeto, de toda forma beneficiará aqueles que podem atender os critérios, como também terá menor concorrência para o transporte público gerido pela família Pereira Nascimento.

Diante desse cenário, é fundamental que tenhamos a compreensão total do que ocorre no município quanto ao transporte público, para assim buscar soluções que permitam uma mobilidade mais livre e aberta para novas possibilidades. É preciso investir em propostas para universalização do transporte, inclusão do transporte alternativo, parcerias para a ampliação do transporte ferroviário e em maiores inovações da iniciativa privada, para que os usuários tenham opções de transporte mais adaptadas às suas necessidades e possibilidades. Somente assim será possível garantir uma mobilidade urbana mais eficiente e justa para todos em João Pessoa.

 

Fontes:

PAIVA, Letícia. 99 reverte decisão que proibia transporte de passageiros por moto em João Pessoa. Disponível em: https://www.jota.info/justica/99-reverte-decisao-que-proibia-transporte-de-passageiros-por-moto-em-joao-pessoa-21012022. Acesso em: 26 fev. 2023.

CABRAL, E. J. L.; GARCIA, M. F. MONOPÓLIO, TARIFA ELEVADA E SUPERLOTAÇÃO: ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE O TRANSPORTE COLETIVO E A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM JOÃO PESSOA-PB. PEGADA – A Revista da Geografia do Trabalho[S. l.], v. 16, 2015. DOI: 10.33026/peg.v16i0.3523. Disponível em: https://revista.fct.unesp.br/index.php/ pegada/article/view/3523. Acesso em: 26 fev. 2023.

JOÃO PESSOA. PROJETO DE LEI 1302/2023:  altera a lei nº 8.210, de 02 de abril de 1997, para regulamentar o transporte remunerado privado individual de passageiros. Disponível em: https://sapl.joaopessoa.pb.leg.br/media/sapl/public /materialegislativa/2023/153634/untitled_20230130_132948.pdf. Acesso em 26 fev. 2023.

LIVRES. STF decide em favor do Livres e apps de transporte não podem ser proibidos. Disponível em: https://www.eusoulivres.org/noticias/stf-decide-em-favor-do-livres-e-apps-de-transporte-nao-podem-ser-proibidos/. Acesso em 26 fev 2023.