“The Founder” e a ordem espontânea

July 5, 2018

Não faz muito tempo que assisti “The Founder”, um excelente filme que conta a história da criação da rede de fast-food McDonalds. Além de ser um filme divertido, com um bom ritmo, e com ótimos atores como o Michael Keaton (Birdman) e Nick Offermann (o libertário Ron Swanson da série Parks and Recreations), o longa apresenta algumas lições sobre ordens espontâneas e o processo de descoberta inerente à função empreendedora. A primeira nos remete à criações da interação e experimentação humana, mas não necessariamente do planejamento e controle de cima para baixo, e a segunda o ato de identificar oportunidades, prover uma oferta e assim gerar valor para as partes.

Tudo começa com o Ray Kroc (o “fundador”) viajando pelo EUA para vender máquinas de milk-shakes. Kroc é um típico vendedor de classe média dos anos 50, e durante suas viagens passa por diferentes lanchonetes tanto para vender seu produto quanto para fazer uma refeição rápida. Infelizmente para Kroc (e para todo o resto dos americanos), o serviço é lento, os locais são frequentados por adolescentes barulhentos e não raramente o pedido vem errado.

Certo dia o vendedor nota uma lanchonete que comprou máquinas de milk-shake acima da demanda que ele considerava normal. Curioso com a situação, Kroc vai visitar esse estabelecimento. Lá ele acaba conhecendo os irmãos McDonalds e se surpreende com a agilidade com que preparam o lanche. Os donos da lanchonete guiam Kroc em um tour, que evidencia as inovações geradas pelo comportamento “obsessivo” dos donos. A linha de produção conta com divisão do trabalho, processos otimizados e tempo cronometrado, como uma orquestra, sendo os irmãos os maestros.

Kroc, encantado com essa “revolução”, imagina esse modelo sendo aplicado país a dentro. Continuando sua profissão como vendedor, percebe que em cada pequena cidade do EUA existem uma igreja e um tribunal de justiça, e visualiza a lanchonete McDonalds como se tornando também um símbolo local, uma parte inerente a cada cidade americana.

Após negociar com os irmãos McDonalds, Kroc cria o modelo de franquias, onde busca parceiros capazes de investir em uma lanchonete padronizada, mas ao mesmo tempo tenham o perfil metódico e “mão na massa” dos irmãos McDonalds para controlar os “tempos e movimentos” do processo produtivo criado pelos mesmos.

Com a expansão da rede, começa a enfrentar problemas na padronização da qualidade das lanchonetes e excesso de custos. Isso o coloca em conflito com os irmãos, apegados pessoalmente a marca e a sua lanchonete original, e desinteressados na expansão da rede, e na marca como um futuro simbolo do estilo americano de vida.

Ao longo da historia Kroc interage com outras pessoas que realizam o processo de descoberta intrínseco à função empreendedora. Uma franqueada (que viria futuramente a ser esposa do “fundador”), sugere melhorias no processo de refrigeração de milk-shakes, que enfrentava problemas, e um analista financeiro de outra empresa, que ao ouvir as conversas do frustrado (e quebrado) Ray com seu atendendo do banco, propõe um novo modelo de negócios e torna-se um sócio da empreitada.

O novo modelo implicava transformar a rede em uma empresa de compra de terrenos, que eram alugados para os franqueados num contrato estipulando que caso a padronização de processos e de qualidade não fosse seguida, o acordo seria suspenso, garantido assim o controle da essência do que fazia a lanchonete McDonalds ser superior à concorrência.

A história da famosa rede de fast-food é um excelente caso de como o processo de descoberta por mecanismos de mercado, pautado na interação voluntária entre diferentes pessoas, com diferentes experiências, ideias e soluções, levou a resultados superiores, que criaram novos bens e serviços demandados pelas pessoas, e modelos de negócio mais lucrativos e eficientes.

Apesar de existir margem para discussão sobre os impactos de tal “descoberta” e hábito de consumo na saúde da população em geral, o fato é que os clientes consomem voluntariamente os lanches do Mcdonalds, e as inovações no modelo de negócios permitiram que a expansão global da marca, tornando-a um símbolo muito maior do que Ray Kroc imaginava.

Podemos dizer que Ray Kroc foi o fundador por ter implementado e expandido o negócio, mas ele o fez por que interagiu e trocou experiências com outros “fundadores” e inovadores que identificaram soluções e melhorias, como, inclusive, os irmãos McDonalds, que criaram a “alma” do negócio. A função empreendedora é sempre um “work in progress” de tentativa e erro, baseado em novas descobertas, expansões e um perene progresso. Confiemos então na ordem espontânea.