Renda Básica Universal: A necessidade de distribuição de renda evidenciada pelo coronavírus

August 28, 2020

Por Allex Biato, administrador e Produtor Audiovisual. Atualmente morando em Dublin e se preparando para fazer pós em Comunicação e Jornalismo. 

A pandemia trouxe ao debate público o que já era discutido entre os acadêmicos: as transformações do mercado trabalhista no século XXI e a perda de postos de trabalho em países pobres e ricos, discutindo o papel do estado em enfrentar pobreza e desigualdade e a necessidade de distribuição de renda através de uma renda básica.

Enfrentar pobreza e desemprego estrutural é um caminho que diversos países ao redor do mundo percorrem. Desta forma, o debate sobre Renda Básica Universal se propaga, uma renda mínima distribuída pelo Estado de forma incondicional a todos os cidadãos, como resposta à necessidade de proteger milhões de seres humanos da desigualdade, uma vez que uma perda excessiva de mão de obra e o comprometimento da renda das famílias é uma realidade.

Sobre o debate no Brasil

Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostram que no Brasil 1,1 milhão de postos formais de trabalhos, aqueles com carteira assinada, foram fechados apenas no mês de março e abril de 2020 devido às medidas de isolamento necessárias para conter o avanço do vírus.

Entre políticos e economistas de esquerda a direita, já é consensual que a criação de uma renda mínima é necessária, a divergência e as maiores dificuldades encontram-se em como financiar e quem necessariamente deve receber. O conceito econômico de Renda Básica Universal incluiria todos os brasileiros, visto que é uma política universal e não focalizada, mas dada a preocupação com risco de endividamento e déficit orçamentário, essa renda deve ser para todos os brasileiros ou focada nos mais necessitados? Financiada a partir da revisão de programas sociais existentes e de corte de gastos ou através de uma reforma tributária ampla, progressiva e redistributiva que simplifique o sistema e retire benefícios de diversos grupos de interesse, arrecadando mais e distribuindo na mesma proporção?

Uma Frente Parlamentar Mista com 217 deputados e senadores, além de várias entidades da sociedade civil foi criada em Defesa da Renda Básica que com maioria parlamentar pretende-se criar um programa mais amplo de transferência de renda que o auxílio emergencial. O presidente da frente parlamentar, deputado João Campos (PSB-PE) afirmou em plenário em julho de 2020 que “Precisamos encontrar as soluções para aumentar a proteção de renda no país, proteger a primeira infância e os informais que têm uma renda volátil. Não pode haver ninguém invisível para um Estado”. Campos ainda acrescentou que a reforma tributária, que volta a ser debatida no Congresso Nacional, pode ser uma das soluções para mostrar que os conceitos de responsabilidade fiscal e responsabilidade social “devem andar juntos”.

Sobre o debate no mundo

Democracias diversas ao redor do planeta já colocaram em funcionamento ou estão preparando algum tipo de programa de renda básica como Finlândia, Ontário (Canadá), Stockton (Califórnia), Barcelona, Quênia, Escócia, Utrecht (Holanda), Reino Unido, Itália, Índia. Durante 2017 e 2018 a Finlândia pagou 560 euros por mês para 2000 pessoas escolhidas aleatoriamente. Tuomas Muraja, jornalista que procurava um emprego fixo a quatro anos e frequentava aulas de agência de emprego, foi um dos beneficiados pelo experimento. “Eu pude me concentrar no meu trabalho que é escrever livros e histórias” disse ele ao Deutsche Welle em maio de 2020. “Cobaia da renda básica”, como ele mesmo próprio se descreve no título do seu livro, durante os dois anos de experimento Tuomas publicou dois livros, escreveu inúmeros artigos e concorreu a 80 vagas. Outros com que ele conversou para seu livro (Basic Income Guinea Pig) também tiveram experiências positivas como uma senhora que montou seu próprio café.

A experiência finlandesa trouxe um resultado ambíguo. Em relação a perspectiva do trabalho não mostrou efeitos sobre a empregabilidade dos participantes. Por outro lado, a renda básica serviu para mostrar que o bem-estar social estava mais alto: saúde, autoestima e otimismo de seus beneficiários. Ou seja, quem recebeu a renda básica se sentiu mais seguro e livre. “Claro que os participantes continuaram procurando emprego. Primeiro porque com 560 euros não se pode viver na Finlândia. E, segundo, porque ter a segurança de uma renda mínima não torna ninguém mais vagabundo. A liberdade lhe torna mais criativo. E ser mais criativo lhe torna mais produtivo” acrescenta ele em entrevista ao El País em fevereiro de 2019.

No Quênia, região africana, há um estudo que iniciou em 2017 e selecionou 15.000 famílias de diversas categorias para receber renda básica universal durante 12 anos. Ainda não se tem resultados do experimento, mas segundo o ex-senador Eduardo Suplicy (PT-SP) que estudou o caso, já é possível observar o efeito naquelas vilas rurais em casas muito modestas, em que os cidadãos passaram a receber 22 dólares por mês e começaram a trabalhar mais pela possibilidade de compra de ferramentas para o trabalho na terra, além, sobretudo, de liberdade para as mulheres.

Milton Friedman e Eduardo Suplicy?

Em 2004, a Lei 10.835 proposta por Suplicy e aprovada pelo Congresso, apesar de sancionada pelo ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, nunca entrou em vigor e virou letra morta. “Diz a lei que ela será instituída por etapas a critério do poder executivo se iniciando pelos mais necessitados como o faz o programa Bolsa Família “, diz o exsenador, proponente histórico dessa política pública a 30 anos no Brasil. “Entre os anos 1960 e a 1970, Eduardo Suplicy era um defensor da perspectiva de renda básica por meio do imposto de renda negativo, originada pelo economista Milton Friedman. Com o tempo ele passou a defender políticas focalizadas, como o Programa de Garantia de Renda Mínima. Nesse período, existia uma política na França muito famosa chamada de Renda Mínima de Inserção. Pouco tempo depois, Eduardo Suplicy passou a militar pela perspectiva mais humanista e generosa, conhecida como Renda Básica Universal, chamada por ele como Renda Básica de Cidadania”, explica Jimmy Medeiros, pesquisador na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil.

Antes mesmo de seu partido chegar ao poder, Suplicy escreveu um paper tentando convencer economistas a abraçar a proposta do Nobel de Economia (1976) que dizia que se o objetivo é mitigar a pobreza, deveríamos ter um programa destinado a ajudar o pobre, o que seria propulsor da Renda Básica Universal, assim como a criação do Bolsa família que é uma política social focalizada que tributa as pessoas para transferir recursos aos mais pobres.

“Políticas sociais universais tributam as pessoas para transferir recursos a toda a população, ou a vários grupos, normalmente em formas de serviços públicos. Quando as políticas são focalizadas é necessário tributar menos. Por outro lado, a existência de um grande número de programas sociais que transferem renda das mais variadas maneiras aos mais variados grupos sem melhorar a distribuição de renda impõe custos à sociedade como um todo sem gerar benefícios” explica Bernardo Guimarães, professor de Economia da EESP e escritor do livro A Riqueza das Nações no Século XXI.

Debate promovido pela Folha

O debate promovido pela Folha de São Paulo no dia 22 de julho dividiu economistas e deu algumas diferenças de propostas como distribuição de renda via política focalizada com possibilidade de menos investimento em saúde e educação ou como distribuição de renda como complemento do estado de bem-estar social.

Marcos Mendes, economista e pesquisador do Ínsper, citou uma provável extinção do abono salarial e do salário família, correção do BPC (Benefício de Prestação Continuada, pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda) e da aposentadoria rural. O economista mencionou ainda o combate aos privilégios da elite do funcionalismo e o desafio imposto pelo avanço dos militares na disputa pelo Orçamento público. Ele defendeu que a renda básica deve ser focalizada, ou seja, voltada aos mais necessitados. “Uma renda universal implicaria em um gasto muito alto ou distribuiria um valor muito pequeno. A literatura mostra que programas de transferências de renda são os mais eficientes quando endereçam o núcleo familiar, já que a pobreza é muito concentrada nas crianças.”

Laura Carvalho, professora da FEA-USP, defendeu que o benefício deve mirar a universalidade, ainda que começando por uma parcela mais restrita da população. A universalidade do benefício tem impactos que vão além do combate à pobreza extrema, disse Laura. Para a economista, criar um programa de renda básica à custa da extinção de programas sociais existentes não ataca a desigualdade, já que tira de um grupo vulnerável para dar a outro e não gera receitas relevantes para a expansão da assistência social. “Defendo que se faça o debate da tributação da renda no topo, das isenções e deduções concedidas ao topo, junto com essa discussão da renda básica, senão vamos acabar fazendo uma redução da desigualdade marginal e a custa de quem já é vulnerável.”

Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos, disse ver com reticência a vinculação do debate da expansão da assistência social com mudanças tributárias e muito medo de discussões que vinculem certos aspectos do lado da receita a certos gastos devido este modelo de discussão com frequência perder a noção de prioridades. Temos que pensar no desenho de algo não só para o futuro, que precisa acontecer, isso é, inquestionável, mas também para os próximos meses e para o ano que vem, afirmou. “É preciso começar por algo que caiba no orçamento do governo para 2021. Minha intuição é de que um caminho melhor é um que usa o que já temos”, afirmou ele citando a estrutura criada para o auxílio emergencial.

Monica de Bolle, professora da Johns Hopkins University, avaliou por sua vez que a expansão da assistência social e dos gastos com saúde e educação no país-pandemia deve passar necessariamente por uma revisão da regra do teto de gastos. Além disso ela defende o pagamento de uma renda mínima para todas as crianças universalizando o benefício começando pela primeira infância de 0 a 6 anos. “Tal programa abrangeria um enorme contingente de famílias pobres e vulneráveis, cobrindo as lacunas deixadas pelos programas sociais existentes. Ao preencher essas lacunas, o programa seria complementar aos já existentes com menor impacto as contas públicas visto que aumentaria o consumo e elevaria a arrecadação.”

Em entrevista ao Deutsche Welle em maio, Bernhard Neumärker, professor de Economia da Universidade de Freiburg na Alemanha, argumenta que a crescente pressão pública pode forçar os políticos a começarem a pensar de forma diferente sobre o problema, principalmente durante essa crise do corona vírus que estamos vivendo. “A Alemanha e outros países da UE eram de opinião que tudo estava indo bem sem renda básica. Então por que ter? Agora a crise mostrou que as coisas estão se tornando sérias para o tradicional e, na minha opinião, ultrapassado Estado social. Eu diria que se organizarmos bem a renda básica, diante da digitalização, de novos acontecimentos e crises, este é um dos poucos modelos promissores e sustentáveis para uma economia de mercado moderna”.