Lá vão eles novamente “fazer o diabo” para ganhar as eleições, por Paulo Tometich

August 7, 2018

Lembra sobre o que falávamos nessa mesma época do ano antes da última eleição? Um pouco antes de começar a disputa, fomos presenteados com uma declaração emblemática de Dilma que afirmava que “fariam o diabo” para ganhar a eleição. Fizeram mesmo. A chapa fraudou a situação real do país e, por causa disso, ficou famosa a máxima de que ele era lindo apenas na televisão. “Eu quero morar na propaganda do PT”, diziam alguns.

Mas esses que ousavam chamar atenção para a situação real eram taxados de pessimistas. Gente da elite que sentia rancor de ter de dividir espaço com as classes menos favorecidas. Como se a dita elite capitalista tivesse alergia de vender para pobre. Convenhamos, não há muito de capitalismo nisso. Estou certo que os acionistas das companhias aéreas ficam felizes quando mais pessoas andam de avião. Mas a campanha eleitoral seguiu com esse tipo de narrativa e foi piorando.

O resultado foi exatamente o previsto: o comprometimento da governabilidade. Após eleita, Dilma confessou sua fraude ao tentar aplicar reformas imediatamente. Ela promoveu um amplo aumento de tarifas, até contratou economista de viés mais liberal, subiu ao oratório do planalto propondo que as diferenças fossem esquecidas e que todos se unissem para salvar o Brasil. Poucos responderam positivamente.

Se “fazer o diabo para ganhar a eleição” era enganar o povo e o mundo com uma farsa, isso parece que vai se tornar “fichinha” em 2018. Agora, a sociedade é ameaçada com a candidatura de um condenado pela justiça. Novamente, o que nos sobraria de país se, de fato, fosse possível viabilizar tal candidatura? E, mesmo não sendo viável, o que sobra de Brasil com o circo montado em torno dessa proposta?

Os efeitos dessa insanidade em propor que Lula seja candidato são evidentes. Não há nenhuma possibilidade de isso ser aceito pela sociedade como um todo e, em situação extrema, a improvável posse de um prisioneiro nos levaria a uma instabilidade institucional e social que nem me arrisco a descrever.

Não que a declaração de inocência não seja natural. O gangster Al Capone provavelmente reclamou que tenha sido preso sem provas — apenas por um probleminha de imposto —, assim como Dilma foi afastada por uns poucos decretos e Lula preso por causa de um “apartamentinho”. Mas essa desfaçatez levada a evento tão importante quanto uma eleição é um problema maior. Da mesma forma que a governabilidade não sobreviveu aos pecados de Dilma, não poderá sobreviver aos de Lula e de todos os que apoiam essa loucura.

A base que sustenta a disputa de Lula é a ideia de que existe uma conspiração. Chegam ao absurdo de sugerir a tentativa de roubar nosso petróleo com interferência da CIA. Porém, na maioria das vezes, se resume a descrever uma tentativa de banir a esquerda do poder, quando é ela mesma se destruindo. É um discurso que ainda encontra algum espaço como pregação a convertidos, mas que me parece um suicídio político — um ato de desespero.

Essa situação me fez refletir nesses dias sobre Mandela e a ideia mais importante que ele deixou: a de que não eliminamos um mal ao respondermos da mesma maneira, pois isso é apenas manter a causa sendo operada por outras pessoas. Contudo, considerando o nível da maioria dos nossos políticos, raras exceções, a resposta dos opositores costuma vir à altura.

Basta observar as recentes alianças do PSDB buscando fôlego para candidatura presidencial. O chamado Centrão, bloco formado pelo DEM, PP, PR, SD e PRB, passou a apoiar a candidatura de Alckmin, o que resultou na bancada mais fisiológica da disputa atual. Mais tempo de TV e facilidades nas votações do Congresso podem ajudar o partido, mas a aprovação das medidas importantes e a governabilidade não dependem apenas de vantagem numérica. Fosse o caso, ao menos já teríamos uma reforma tributária aprovada — prometida desde FHC. No entanto, a coligação não ocorreu com base no que deve ser aprovado, mas na distribuição de poder.

Há quem possa dizer que essa é a única forma de governar — não são poucos. Mas ao assumir esse posicionamento mais pragmático, confundem apropriação com conquista e esquecem de que, desde os seus primórdios, a democracia foi concebida com apoio e participação das “demos”— clãs ou tribos gregas que eram excluídas da participação política antes da primeira iniciativa chamada de demo-crática. Governar sem apoio do povo nunca é uma opção aceitável, sob qualquer pretexto. E, no contexto político atual, no qual a ferida da velha política está exposta, é uma afronta propor tal coisa como alternativa de governabilidade para tentar salvar uma candidatura fraca.

Desse ponto de vista, como o próximo presidente vai chegar ao cargo e se comportar na sua ocupação importa tanto, ou mais, do que quem ele será. Na verdade, a figura dele é menos relevante — bem menos que a governabilidade, a segurança jurídica, a democracia, o arranjo institucional e as pessoas que colocaremos no Congresso. Nossa crise abrange todos esses aspectos e, por isso, quem quiser dar as mãos a alguma “entidade maligna” para defender seus salvadores, terá que prestar contas a ela. Elas sempre cobram. Em uma democracia, de todos nós.

Paulo Tometich é filósofo, com formação em marketing e pós-graduação em gestão empresarial. É membro do time Livres-RS e do Comitê de Comunicação do Livres. 

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