A definição do liberalismo

August 7, 2020

É uma vontade cada vez mais comum que se tente definir o liberalismo com precisão, bem seja num determinado campo filosófico ou espectro político; mas como já diria José Guilherme Merquior: “O liberalismo pode ser descrito mas não definido”. Tal campo de ideias é extremamente vasto para ser encaixado de maneira tosca numa cosmovisão limítrofe.

O liberalismo precede conceitos como esquerda e direita, pois este veio antes da revolução francesa, onde tais conceitos originaram-se a partir dos girondinos e jacobinos. Esta filosofia sempre possuiu, desde seus primórdios lockeanos que influenciaram a revolução gloriosa inglesa, valores originais que são usados até hoje em qualquer variação do liberalismo, e estes são: A vida, igualdade, liberdade e a propriedade privada.

A palavra liberalismo só foi consolidada para definir este campo muitos anos depois nas guerras napoleônicas, onde os espanhóis que lutavam contra o exército de Napoleão diziam-se liberais.

A partir desta nomenclatura, começou a se definir o que seria de fato o liberalismo, separando-o das definições genéricas como o iluminismo. A modernidade nos permitiu definir este, e por isso, não é sábio confundir liberalismo e iluminismo na atualidade, pois séria um erro anacrônico.

O liberalismo de John Locke foi extremamente radical para sua época, e o segundo tratado sobre governo, obra onde ele crítica o absolutismo e valores dogmáticos da época; foi tomada como escandalosa e até blasfêma, e por isso foi queimada. Locke só assumiu ter escrito tal livro no seu testamento.

Então, no seu começo, o liberalismo não teve vias que possam ser consideradas como conservadoras ou tradicionalistas, e a partir deste vieram uma gama de autores que influenciariam a revolução francesa.

Após a revolução, ficou claro que as massas podem ser tolas e naturalmente procuram um ídolo. No final, foi exatamente isto que aconteceu na França após o fim da era mitômana de Robespierre.

Alguém que previu com sabedoria o fracasso da revolução francesa foi o grande Edmund Burke, pai do conservadorismo. Pois ele advogava por mudanças gradativas, dizia que uma mudança tão brusca apenas enfraqueceria o tecido social, que na sua sua visão era composto pelos que foram, estão e os que ainda virão. Vale ressaltar que o mesmo não era contra revoluções, já que advogou pela independência das 13 colônias britânicas, mas neste caso, ele viu que tal revolução era precisa e buscaria a liberdade sem necessariamente ferir os sedimentos ético-morais da sociedade. Baseando-se nestes princípios ele também ajudou a fundar o conservadorismo-liberal.

Nesta nova fase do liberalismo pós-revolução francesa, adotou-se uma postura mais cética em relação às massas. Novos liberais advogavam pela prudência e virtú, sendo mais pragmáticos e empíristas.

Após isso, formou-se o liberalismo social. Corrente que teve seus esboços baseados na cosmovisão de Thomas Paine, Jeremy Bentham e John Stuart Mill. Consolidou-se com nomes como o John Rawls, L.T Hobhouse e T.H Green, e nesta ramificação, o liberalismo se preocupa com a equidade e o bem-estar social; portanto, serviços sociais entram em pauta de forma pontual.

E por último, temos as escolas do liberalismo moderno: A austríaca, e a de Chicago, ambas formularam teoremas e axiomas econômicos, e ambas possuem sua própria cosmovisão dentro do liberalismo.

A escola austríaca, composta por nomes como Mises, Hayek, Menger etc. É uma escola que valoriza o raciocínio a priori, colocando a economia como uma ciência extremamente variavel dependendo do âmbito social, era, cultura etc. e por isso não se considera uma ciência exata. Esta nos diz que a economia é puramente feita da ação humana e a partir daqui desenvolveu-se a praxeologia. Também há importantes contribuições como a teoria dos ciclos econômicos, teoria da utilidade marginal, entre outras.

Já a escola de Chicago advoga por um raciocínio a posteriori ou seja, é sobretudo empírista. Esta foi fundamental na crise pós keynesiana nos EUA, no governo Thatcher na Inglaterra, e na reforma econômica chilena. Nestes cenários foi aplicado o monetarismo, teoria que foi fundamenada principalmente por Friedman e Stigler. Chicago contribuiu com medidas como o imposto negativo, o cheque-educação, o princípio da otimização econômica etc.

O liberalismo é vasto e continua se expandindo através da modernidade. Políticos à esquerda tomaram pautas liberais no quesito social de forma conveniente para buscar capital político, e políticos à direita tomaram pautas econômicas convenientemente pela eficiência destas, mas a concordância está na filosofia que gerou o ambiente necessário para que a direita e esquerda pudessem existir, e hoje, apesar da polarização e da fragmentação de conceitos liberais tomados por diversos espectros políticos, o liberalismo se mantém coerente na busca pela liberdade, ainda que isto não agrade a massa e sua necessidade de ter lados e ídolos.