O remédio que precisa vencer o preconceito

February 23, 2023

Cannabis

Artigo publicado originalmente no portal CNN Brasil. Leia na íntegra aqui.

Uma menina de 10 anos que sofre de epilepsia e tinha até 50 crises por dia está há mais de 20 meses sem sofrer uma única após usar o canabidiol ou CBD. Uma outra, também com epilepsia e paralisia cerebral, começou a usar o medicamente e viu suas crises diminuírem pela metade. São exemplos divulgados na mídia. Em ambos os casos, o medicamento que melhorou a vida das crianças só foi possível graças à intervenção judicial. A dificuldade do acesso ao CBD é seu alto preço e muitas barreiras legais, além do preconceito.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, entendeu essa dificuldade e acertadamente sancionou um PL aprovado pela Alesp no final do ano passado, que permite o acesso ao medicamento através do SUS, tanto na rede pública estadual quanto na privada, para pacientes que comprovadamente necessitam do tratamento. Ao pensar na saúde acima de qualquer outra coisa, só me resta parabenizar o governador que, com uma assinatura, irá melhorar a vida de milhares de paulistas.

 

Eu sofro de epilepsia e não tive, na infância e adolescência, a mesma chance que as pessoas podem ter de acessar um remédio eficiente. É possível fazer coisas extraordinárias tendo epilepsia ou qualquer outra condição, mas oferecer a oportunidade de melhorar a qualidade de vida das pessoas é fundamental quando isso está a nosso alcance.

Também sou autora de um projeto de lei que prevê a distribuição de medicamentos à base de canabidiol pelo SUS na rede pública de saúde na cidade de São Paulo, que se estende aos hospitais privados que atendem pelo Sistema Público de Saúde (PL 569/2021). Além disso, pensando na importância do conhecimento da população e do próprio funcionamento do medicamento, sou autora de outro que incentiva pesquisas e divulgação de informações sobre o medicamento (PL 571/2021). Estudos para embasar tais medidas que comprovam a importância e os efeitos benéficos do medicamento não faltam. A Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto tem a maior produção científica mundial sobre o canabidiol, que além de servir para tratar epilepsia, também é útil no tratamento de esclerose múltipla, de Parkinson, de ansiedade e no alivio dos efeitos colaterais de quem faz tratamento contra câncer ou HIV, entre outras.

Para além dos benefícios para a saúde, o canabidiol oferece uma grande possibilidade de ganhos econômicos. Produtos relacionados ao CBD nos EUA, até 2017, renderam US$ 358 milhões. Até 2018, foram US$ 512 milhões e para os próximos anos, considerando-se o crescimento dessa indústria, serão US$ 20 bilhões. É uma indústria que além do medicamento em si, também permite seu uso em cremes, bebidas, xampu, chocolates, e até em produtos para animais de estimação. No Brasil, são 14 os produtos à base de canabidiol aprovados pela Anvisa, além de mais de 20 com extrato de cannabis, todos medicinais.

É fundamental para combater o preconceito que existe com o medicamento separar sua função benéfica da função narcótica a qual a cannabis é associada. A substância conhecida como canabidiol foi identificado em 1963 e é apenas um dos, aproximadamente, 60 compostos farmacologicamente ativos da planta. Ao contrário do THC, que é a substância narcótica da cannabis, o CDB não oferece nenhum efeito psicoativo e em todas as pesquisas feitas com o medicamento não foram encontrados efeitos colaterais significativos.

No Brasil, foi só em 2014 que uma família ganhou na justiça o direito de importar o canabidiol para tratar sua filha. Na época, sofrendo até 80 convulsões por semana, com crises que duravam até 10 minutos, a criança havia parado de andar e se alimentar direito. O remédio mudou sua vida.

Desde então, a demanda para adquirir o medicamento só aumentou. Em 2015, foram 896 pedidos de importação já em 2021 foram mais de 41.000 pedidos. E isso sem considerar milhares de outras pessoas que não tem condição de importar o produto ou que mesmo mal sabe de sua existência, cenário que mudaria se tivéssemos ele disponível no sistema público de saúde.

O preconceito que talvez muitos tenham com o canabidiol eu mesma já tive e nada melhor do que a experiência e o fato de sentir na pele os efeitos positivos do tratamento para mudar de opinião.

Sofri convulsões em diversas fases de minha vida. Não escondo de ninguém minha condição, e acho isso fundamental para normalizar a maneira como nos enxergam, com nossa vulnerabilidade, mas também na força que tiramos disso. E é essa força que faz com que eu entre nessa batalha para proporcionar que cada brasileiro possa ter a chance dos dois exemplos que cito no primeiro parágrafo. Não custa reforçar e repetir até a exaustão, até que todos entendam: não é droga, é remédio.