Leniência com importunação sexual tira liberdade das mulheres

February 17, 2023

Mulheres

Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo. Confira na íntegra aqui.

O Carnaval já chegou e, para além das fantasias, muitos foliões já estão se precavendo para curtir a festa com segurança: usar doleira escondida na roupa, deixar o celular em casa ou ficar atento no uso do cartão de crédito. Para muitas mulheres, entretanto, os bens materiais não são a única preocupação. A própria integridade física e psicológica recebe sua dose de cuidados. Não é incomum que as preocupações passem por não frequentar certos lugares sozinha, ter atenção com a bebida que toma, além do medo de ter que lidar com importunação sexual ou até assédio.

Cerca de 2 a cada 5 brasileiras relataram que já tiveram o corpo tocado sem seu consentimento em local público. A mesma proporção de mulheres também relatou que foram xingadas ou agredidas após negarem uma investida amorosa ou sexual.

É o que revela a pesquisa de opinião Percepções sobre controle, assédio e violência doméstica: vivências e práticas, do Instituto Patrícia Galvão e Ipec. Mesmo considerando as limitações dessa pesquisa, trata-se de um número relevante demais para não levar em consideração.

O mero receio de sofrer importunação, assédio e violência sexual pode ter um impacto bastante palpável na vida cotidiana das mulheres, muito além dos momentos de festa.

Ao fazer um levantamento com 42 mil mulheres, a Agência pelos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA) descobriu que nos países onde as mulheres relatam mais medo elas são mais propensas a restringirem as próprias atividades, evitando tanto situações como lugares públicos e privados. De modo concreto, a qualidade de vida e a liberdade de movimento são significativamente reduzidas por causa da preocupação de serem alvos de alguma forma de violência sexual.

Para além desses dados, todo mundo conhece alguma mulher que se autoimpõe restrições justamente por esse motivo. Uma amiga que deixou de ir a um show porque estava desacompanhada, que pagou caro no Uber para voltar para casa porque a parada de ônibus estava vazia à noite, que teve que inventar um namorado após uma abordagem agressiva de um homem em um bar.

Ou pior: muitos conhecem mulheres que passaram por alguma situação de importunação ou violência de natureza sexual. Eu não fico fora dessa lamentável lista.

Quando tinha 14 anos, enquanto andava na rua acompanhada da minha mãe, em plena luz do dia, um homem bêbado se aproximou, agarrou meu braço e me deu um beijo no rosto contra a minha vontade. Felizmente, algumas mulheres que estavam nas varandas de suas casas nos ajudaram e me acolheram. Muitas mulheres acabam não recebendo esse apoio e a situação escala para desfechos muito piores.

Uma maior conscientização masculina sobre como não importunar e constranger mulheres em público é necessária. Afinal, vários comportamentos —como gritar coisas para mulheres desconhecidas na rua ou ser insistente na paquera em bares— são considerados normais em muitos grupos de homens. Entretanto, só a conscientização social não basta. É necessário também a implementação de políticas públicas que não sejam restritas ao Carnaval.

As medidas passam por melhor qualificação dos agentes de segurança, integração de bancos de dados para facilitar a punição de agressores e protocolos de treinamento de combate ao assédio fornecidos a estabelecimentos privados, como propôs a vereadora Cris Monteiro (Novo-SP), associada do Livres.

Se a sociedade e o poder público não tomarem medidas assertivas para garantir que as brasileiras se sintam seguras para ocupar os espaços da cidade, estaremos permitindo que metade da população fique sujeita a mais restrições de exercer seu potencial e sua liberdade do que a outra metade.