Em busca do arranjo institucional perdido

June 16, 2023

Política

Em agosto de 2022, em viagem ao módulo internacional do MLG para a Finlândia, arrumei as malas e aproveitei alguns dias de descanso. Fui à Itália para conhecer a cidade onde meu avô materno cresceu: Azzano Decimo, próximo a Veneza. Uma “comuna”, como eles chamam, de pouco mais de 15 mil habitantes.

Um de meus parentes que ainda reside na cidade foi vereador por 3 mandatos. Logo, o tema dominou nossas conversas. O nome da posição política em italiano é “consigliere comunale”, que em tradução literal seria como “conselheiro da comunidade”. A função não é remunerada, eles recebem apenas uma ajuda de custo de EUR20,00 (cerca de R$105,00) a cada reunião, que são mensais. A atribuição principal é acompanhar e fiscalizar as contas da Prefeitura e ajudar o prefeito a resolver assuntos de impacto na comunidade, votando e opinando. A Câmara destes conselheiros possui um corpo de funcionários técnicos que auxiliam e prestam assistência aos vereadores para as tomadas de decisões.

Isso me chamou muita atenção, pois este formato italiano de uma “Câmara Municipal” é como o que seria no Brasil de um “Conselho Municipal”. Me chamou a atenção, considerando a baixa demanda de atividades em pequenos municípios.

Faz sentido, pois minha vivência como vereador, há 6 anos, de uma cidade de 8 mil habitantes e lidando proximamente com mandatários de cidades maiores, vejo que há uma discrepância no fluxo de atividades e rotinas bem grande. Ou seja, no Brasil, uma cidade de 8 mil habitantes possui a mesma estrutura político-administrativa que uma cidade de 350 mil, porém com demandas e exigências bem diferentes.

Em uma pequena cidade, não há um gabinete para cada vereador, nem time de assessores próprios, nem cumprimento de horário e expediente por estes agentes políticos. E é natural que seja assim, pois as demandas são infimamente menores. Assim, na pequena cidade, a atividade política de vereador se torna uma função a mais na vida de quem se elege, que sempre possui uma vida profissional particular à parte.

Porém, conectando com a historinha do início deste artigo, no Brasil, são posições bem renumeradas e, ainda, com alguns benefícios e vantagens, como diárias de viagem aos montes, possibilidade de reajustar o próprio salário à margem da lei, e, aqui em Minas – após nova interpretação do Tribunal de Contas do Estado, em março deste ano – ter plano de saúde sustentado pelos pagadores de impostos, o que tornam este cargo eletivo um foco para uma fonte de renda extra e ainda um centro de poder orientados pelo clientelismo e patrimonialismo.

Enquanto, na Itália, dentro da vivência que tive, temos reuniões de homens e mulheres como conselheiros municipais, de forma voluntária, se reunindo imbuídos pelo interesse pela cidade e embebidos pelo espírito público; no Brasil, temos pequenas cidades, com estruturas de poder que abrem margem à ineficiência, ineficácia e inefetividade, e o mais grave, desperdício de dinheiro público.

Existem muitas agendas estruturantes de fundamental importância para avançar a efetividade da gestão pública e da política neste país tropical, mas sempre as adiamos. Como disse Gustavo Franco, parafraseando Câmara Cascudo: “o Brasil é um país de soluções adiadas”. A gente sabe muito bem o que precisa ser feito, mas sempre deixamos para depois e o problema é que esse “depois” nunca chega, e, com isso, acumulamos “décadas perdidas”.

Dentro deste diálogo reformista, aquelas ações que fortalecem as instituições, talvez, sejam as mais importantes, pois como concluiu Paulo Gala sobre os trabalhos de Douglass North: países de alta qualidade de vida são aqueles que foram capazes de estabelecer arranjos institucionais que garantem e estimulem o desenvolvimento econômico – e, com ele, o desenvolvimento social.

Agenda absolutamente difícil e complexa para fazer avançar numa nação dominada pelo fisiologismo e interesses escusos. Mais difícil ainda quando aprofundamos nos rincões deste país. Estruturas de poder estabelecidas num formato estatal que bloqueia a energia criativa dos indivíduos, inibindo potenciais e a livre interação social capazes de inovar e gerar a riqueza necessária para a qualidade de vida.

O que fica, então, de forma geral, é que o exercício da política não deveria ser um caminho para satisfação de interesses particulares ou de grupinhos específicos, e que deveria ser mais vantajoso àquele que quer sucesso financeiro e fontes de renda extras, fazê-los na livre interação social no mundo privado, inovando e criando, do que fazê-los dentro da máquina pública. Ademais, vejo que, para cidades pequenas, a confusão se aprofunda com estas estruturas estatais de poder que não possuem os incentivos corretos para gerarem efetividade no funcionamento das instituições públicas. E o que vai garantir isso tudo são os arranjos institucionais perdidos por aí.

Como provocou Roberto Campos respondendo Roberto D’ávila quando o questionou “se ele acreditava nas pessoas” (dentro do contexto da política):

– “Não, eu prefiro acreditar nas instituições. A tarefa de construção das instituições é muito mais importante que o trabalho de exaltação das pessoas.”

Artigo publicado originalmente no Estadão.