Eficiência versus orçamento

November 8, 2022

Política

Para que se cumpram as promessas assumidas durante a campanha eleitoral, está em curso nova proposta para a expansão dos gastos assistenciais: um waiver de pelo menos R$ 70 bilhões para o Auxílio Brasil que permite distribuir mais R$ 200 por família e mais R$ 150 por criança até seis anos de idade em 2023. O objetivo é claro: resgatar milhões de brasileiros da fome e da pobreza.

Mas, se combater os efeitos deletérios da pobreza dependesse apenas de orçamento, causa estranheza constatar que, mesmo após o Auxílio Brasil ter se estabelecido como um programa três vezes maior (em recursos) que seu antecessor, mais gastos ainda se façam necessários.

Neste ano, o orçamento previsto para o Auxílio alcançou R$ 115 bilhões, distribuídos a 21 milhões de famílias ao mínimo de R$ 600. Para o ano que vem, já estão garantidos R$ 106 bilhões. Mas em 2019 eram apenas R$ 33 bilhões para 15 milhões famílias, com benefícios médios de R$ 200. E a pandemia, que por muito tempo agravou o quadro da pobreza e da insegurança alimentar, ficou para trás, e, do ponto de vista da economia, a atividade e o mercado de trabalho seguem se recuperando de forma bastante vigorosa.

O que, então, poderia explicar um aumento tão grande dos orçamentos das assistências não se converter em benefícios palpáveis para a população? Fica a triste constatação de que a criação do Auxílio Brasil veio acompanhada do uso ineficiente dos recursos que foram destinados ao programa.

Apesar de o Auxílio Brasil ser próximo do Bolsa Família em vários aspectos, há uma diferença importante entre eles: o estabelecimento de um valor mínimo nas transferências do primeiro. Essa nova regra fez com que o Auxílio se tornasse um programa pouco focalizado, que não privilegia as famílias de diferentes tamanhos e composição.

Um programa focalizado é aquele que incide onde a pobreza está, levando em conta a quantidade de membros e a pobreza em termos per capita em seus critérios transferência. O estabelecimento de um valor mínimo substancialmente acima de qualquer outro benefício do Auxílio tornou o recebimento dos R$ 600 (ou dos R$ 400) a norma para todas as famílias no programa, acabando com qualquer possibilidade de transferir mais recursos para famílias mais numerosas ou para famílias com crianças pequenas.

Além disso, a regra do mínimo estimula a declaração de famílias unipessoais, composta por apenas um adulto. Isso significa que um adulto pobre recebe de forma semelhante a uma família com quatro membros, como aquela que é composta por mãe e três crianças. Nem mesmo uma transferência diferenciada para crianças até seis anos, conforme a proposta do novo governo, resolve a enorme discrepância no tratamento que continuará sendo dado às famílias de quatro membros nas quais as crianças estão ligeiramente acima da idade de seis e às famílias unipessoais.

Existe, entretanto, uma solução bastante simples que corrige as distorções que foram criadas no desenho do Auxílio, aumentando a eficiência desse programa de transferência de renda. O fim da regra do mínimo e a recalibragem dos valores de cada benefício do Auxílio são duas direções que dão retornos muito mais garantidos que o malabarismo fiscal que expande o orçamento público à custa de uma nova PEC.

Em conjunto, essas duas mudanças resgatam grande parte do desenho do antigo Bolsa Família, um programa que foi capaz de retirar da pobreza e regatar a cidadania de milhões de brasileiros nas últimas décadas e que deveria estar no topo da lista de ações do novo governo. Priorizar a expansão do orçamento do Auxílio em detrimento do uso eficiente dos recursos já existentes é um enorme equívoco.

Artigo publicado originalmente na Folha de São Paulo