Charter School: o que é público não precisa ser estatal

June 28, 2023

Educação

Artigo publicado originalmente na Gazeta de São Paulo.

Vamos falar de gestão, que é o ato de administrar ou de gerir recursos, pessoas ou qualquer objeto que possa ser administrado com alguma finalidade: seja em benefício próprio ou de uma entidade.

Quando mencionamos gestão, é bem possível que venham à mente empresas e corporações que organizam sua administração com foco em desempenho eficiente e práticas adequadas. De fato, está amplamente comprovado que uma administração eficaz revela os erros, acertos e riscos envolvidos, além de estabelecer mecanismos que otimizam ao máximo o potencial existente.

A esfera pública brasileira sai em desvantagem ao não dar a devida atenção em gerenciar pessoas, processos e recursos. Ter um pensamento estratégico e realizar análises de indicadores são requisitos fundamentais para que qualquer empreendimento opere de forma eficiente e alcance seus objetivos finais.

Ao longo de um período de 20 anos, com base em 219 pesquisas educacionais realizadas nos Estados Unidos, um estudo conduzido pela Wallace Foundation chegou à conclusão de que as práticas positivas de liderança dos diretores de escola estão diretamente relacionadas ao aprimoramento da aprendizagem dos alunos nas áreas de matemática e leitura. 

O pesquisador do Insper, Ricardo Paes de Barros, explicou que existem indicadores que mostram que o desempenho do diretor da escola tem um impacto direto nos alunos. Segundo suas palavras, “um diretor ruim faz com que o aluno perca rendimento, enquanto um bom diretor faz com que o aluno ganhe”. Embora o professor tenha um impacto duas vezes maior, o diretor influencia todos os estudantes de uma escola inteira. De acordo com o pesquisador, ao elevar o desempenho dos 10% piores diretores para a média nacional, estima-se que o impacto na renda dos estudantes, ao longo da vida, seja de 70 bilhões de reais. Isso significa que melhorar a gestão vale a pena.

No entanto, infelizmente, essas boas práticas não estão amplamente aplicadas em todas as esferas dos serviços públicos. Isso ocorre principalmente devido ao fato de que no Brasil o processo de seleção para a direção das escolas é baseado, em primeiro lugar, em eleições, seguidas de indicações.

Com o intuito de realizar atividades que não são exclusivas do Estado e transferir a gestão para entidades especializadas e dedicadas exclusivamente a essas áreas, o Brasil passou a estabelecer parcerias com Organizações Sociais que atuam nos setores de educação, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura, saúde e outros. Em geral, os representantes dessas OSs possuem expertise em gestão e são capazes de otimizar ao máximo o desempenho dessas atividades, seguindo as atribuições, metas e obrigações estabelecidas em contrato com o Poder Público.

No setor da saúde, desde 1998, várias Organizações Sociais, como as Irmãs Marcelinas, Sírio Libanês e Albert Einstein, têm sido responsáveis pela administração de hospitais públicos em São Paulo. Surpreendentemente, essas OSs conseguem alcançar uma produtividade até 52% maior e proporcionar economias de até 32% para o Sistema Único de Saúde em comparação aos serviços estatais.

No âmbito da educação, a participação das OSs não é totalmente nova. Em São Paulo, duas em cada três crianças estão matriculadas em creches mantidas por OSs. A combinação entre oferta estatal e parcerias com as OSs resultou na eliminação das filas de espera para creches. No entanto, a área da educação básica ainda demonstra resistência significativa em adotar novos modelos de gestão. As escolas públicas continuam predominantemente sob controle estatal e, apesar dos esforços de diretores, professores e famílias, os resultados estão longe do ideal.

Em São Paulo há um intenso embate ideológico baseado na falsa premissa de que essa iniciativa resultaria na privatização da educação pública. Mas existem localidades pelo Brasil que vêm rompendo com esse pensamento. Em Pernambuco, os Centros de Ensino em Tempo Integral (Procentro), baseados no modelo de charter school, funcionaram entre 2005 a 2007, diminuindo as taxas de abandono e evasão escolar e aumentando o desempenho dos alunos e o engajamento das famílias. Em Minas Gerais, foi lançado, em maio do ano passado, o Projeto Somar, que estimula a gestão compartilhada de escolas estaduais que ofertam o ensino médio, em parceria com organizações da sociedade civil sem fins lucrativos. O Paraná tem um projeto-piloto com foco em melhorar a aprendizagem dos estudantes entregando às organizações sociais sem fins lucrativos os processos das áreas administrativa, financeira e estrutural das escolas. No caso de Nova York, as escolas charter apresentaram desempenho melhor que a média das demais escolas da cidade.

Na Câmara Municipal de São Paulo, tramita um projeto de minha autoria, o PL 573/2021, que pretende implementar o sistema de gestão compartilhada em escolas de Ensino Fundamental e Médio com organizações da sociedade civil sem fins lucrativos. Com esse tipo de iniciativa, queremos expandir o número de alunos estudando em escolas públicas, gratuitas, com o nível de uma escola particular, criando, assim, cidadãos que fazem escolhas com liberdade e exercem seu máximo potencial. Isso é possível! O que é público não precisa ser estatal.