Alexis de Tocqueville, o sociólogo da democracia

February 14, 2020

O liberalismo, como aprendemos com Montesquieu, não é só política e economia. Também é uma vertente de pensamento focada em análises sociais do mundo. Com Alexis de Tocqueville, autor de fevereiro do nosso Clube do Livro, a sociologia é aplicada à democracia americana.

Em Da Democracia na América (ou De la démocratie en Amérique), o autor francês faz um longo estudo sobre a nascente democracia americana. A análise da sociedade que ali construía um dos regimes democráticos mais estáveis da modernidade é um texto fundamental para quem pretende compreender a força irresistível deste modo de governo. Não à toa, a revolução americana se tornou a inspiração para países em todo o resto do mundo.

Continue a leitura e saiba mais sobre o poder da análise de Tocqueville!

Quem foi Alexis de Tocqueville

Alexis de Tocqueville nasceu em 1805, na França. Seus pais estiveram presos em Pais durante o Terror, mas escaparam da morte com o 9 de termidor, momento que marcou o fim da etapa mais radical da Revolução Francesa. O evento marcou a visão de mundo de Tocqueville, um aristocrata, por toda a sua vida.

Em 1831, Tocqueville e o seu amigo, Gustave de Beaumont, solicitam ao Ministro do Interior francês, fundos para estudar o sistema penitenciário americano. A viagem, que durou quase um ano, foi fundamental para que o autor tomasse as notas que dariam origem aos dois volumes iniciais de Da democracia na América, publicados em 1835.

Em 1840, publica os tomos III e IV de Da democracia na América, que alcançaram maior sucesso do que os volumes anteriores. 16 anos depois, já aposentado da vida pública, lança *O Antigo Regime e a Revolução”. Morre três anos depois, em 1859, em Cannes.

O caso americano

Tocqueville tenta, em Da democracia na América, encontrar a resposta para a seguinte questão: por que a sociedade democrática americana é liberal?

A princípio uma questão simples, o questionamento de Tocqueville é algo fundamental para entender as ideias do pensador. Em O Antigo Regime e a Revolução, por exemplo, as atenções de Tocqueville se voltam para a França e as dificuldades que impedem o país de rumar em direção a um regime democrático liberal pleno. Em poucas palavras, a resposta para o questionamento sobre o caso americano pode ser resumida em três itens:

  • o espaço que é ocupado pelos moradores do novo país;
  • as boas leis criadas pelos americanos, capazes de garantir liberdades políticas e sociais;
  • os hábitos do novo país, fundamentais para criar uma cultura político-social que estimule a liberdade e a descentralização do poder.

Há terra para todos, o que impede a criação de uma aristocracia. As leis são respeitadas e fundamentam direitos como a liberdade de expressão e o voto. Já os homens se apropriaram dos valores religiosos e culturais necessários para construir uma sociedade com plena autonomia.

Como consequência, os Estados Unidos são vistos, aos olhos de Tocqueville como a sociedade com a receita ideal para a construção de uma democracia liberal. Como mostraremos adiante, a nação conseguiu unificar, em um único lugar, os fatores que dão as bases para os homens terem os sentimentos necessários para a busca pela liberdade. Mas, ao mesmo tempo, também é portadora daquilo que pode levar ao despotismo.

A democracia como base para a liberdade

Como construir a liberdade sem que a democracia possa acabar no meio do processo? A resposta se dá, como aponta Raymond Aron, no ataque às desigualdades naturais.

Aron afirma que, para Tocqueville, “a liberdade não pode se fundamentar na desigualdade; deve assentar-se sobre a realidade democrática da igualdade de condições, salvaguardada por instituições cujo modelo lhe parecia existir na América.”

Essas instituições garantiam aos cidadãos a autonomia necessária para, de acordo com o que é permitido pelas leis, governarem a si mesmos em segurança. Em um misto de preocupações entre a coisa pública e as questões privadas, a sociedade se tornava mais próspera e livre.

Em outras palavras, para Tocqueville, instituições democráticas sólidas e uma economia livre seriam capazes de garantir a todos as mesmas oportunidades e a autonomia para buscarem o que cada um julgar como o melhor para si. Por isso, ao contrário de marxistas, o sociólogo francês vê no fortalecimento da democracia liberal o único meio para reduzir as desigualdades de riqueza.

Porém, a vivência democrática se dá lado a lado com o perigo da tirania da maioria. A partir do momento em que a democracia valida a vontade da maior parte dos cidadãos, ela também corre o risco de que estes abusem da sua vitória. Por isso, não basta ter instituições que dão a liberdade aos homens (eleições, partidos, imprensa livre, parlamento, etc), também é crucial cultivar em todos os sentimentos necessários para a sua manutenção.

Afinal, a democracia só tem sucesso quando os seus membros se preocupam continuamente com a diminuição das desigualdades de oportunidade, o respeito pela legalidade, a paixão pela independência pessoal e a autonomia das minorias políticas. Uma contínua obsessão pelo bem-estar material também se faz necessária. Ao lado da igualdade, esse sentimento cria uma inquietação em todos, que leva a sociedade para a prosperidade.

Uma construção diária

Francis Fukuyama, filósofo nipo-estadunidense conservador tornou-se famoso em todos os meios intelectuais no começo dos anos 1990 por declarar, em O fim da História e o último homem, que a democracia liberal ocidental era o último estágio de desenvolvimento da história humana. Essa afirmação não teria sido possível se, séculos antes, uma sociedade não tivesse mostrado a todos que os homens não só não precisam de reis, mas também são capazes de construir um novo país do zero.

A ideia de democracia tem evoluído ao longo dos últimos séculos. Para Tocqueville, era um regime capaz de igualizar as condições dos cidadãos. Todos são iguais perante as leis e qualquer ocupação, honraria ou dignidade se dá independentemente do lugar de nascimento.

A Revolução Americana foi capaz de construir esse tipo de sociedade. A narrativa de Da Democracia na América é a história sobre como os americanos tornaram a democracia a única forma de governo capaz de prover igualdade e liberdade para os homens. É, também, um alerta sobre como a atuação de seus agentes pode criar as condições para o seu fim.

O estudo de Tocqueville, portanto, deve ser visto não só como o olhar de um aristocrata francês para o “novo mundo”, mas também um aviso dos perigos que o sistema democrático pode ser comprometido por situações que ele mesmo cria.

As inquietações que moveram o autor se mantêm atuais, especialmente em um contexto de queda dos índices de democracia mundiais. Estudar Tocqueville, diante disso, é algo crucial para todos aqueles que amam as liberdades proporcionadas pela democracia: os pilares de regimes democráticos são sustentados pelos sentimentos dos cidadãos e a legitimidade que eles dão para o regime. Deixar que essa fonte fique seca é o caminho mais fácil para cercear a liberdade de todos.

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– Para saber mais sobre Tocqueville: