Após 130 anos, seguimos a luta abolicionista

May 13, 2018

“Depois que os últimos escravos houverem sido arrancados ao poder sinistro que representa para a raça negra a maldição da cor, será ainda preciso desbastar, por meio de uma educação viril e séria, a lenta estratificação de trezentos anos de cativeiro, isto é, de despotismo, superstição e ignorância. O processo natural pelo qual a Escravidão fossilizou em seus moldes a exuberante vitalidade do nosso povo durou todo o período do crescimento, e enquanto a Nação não tiver consciência de que lhe é indispensável adaptar à liberdade cada um dos aparelhos do seu organismo de que a escravidão se apropriou, a obra desta irá por diante, mesmo quando não haja mais escravos”.

Essas palavras escritas há mais de um século por Joaquim Nabuco continuam relevantes passados 130 anos da abolição do instituto jurídico da Escravidão, que por trezentos anos atuou como um câncer na sociedade brasileira, apropriando-se de cada um dos aparelhos de nosso organismo e gerando uma cicatriz indelével em nossa história, e que permanece marcante em nossa atualidade.

Ser livre significa poder escolher o nosso próprio destino e assumir o protagonismo de nossas vidas. Para que isso seja possível, existem algumas pré-condições necessárias que se organizam basicamente em dois eixos: a diminuição da coerção, limitando e diminuindo o Estado, a agressão e a violência; e o aumento da cooperação, através de mercados abertos, dinâmicos e plurais, que se constituem enquanto ferramenta essencial para a promoção de um ambiente com mais diversidade de opções e, portanto, maior liberdade de escolha para todos.

Esses aspectos não estão presentes até hoje em áreas essenciais para o desenvolvimento humano no Brasil. Um dos aspectos mais básicos para a dignidade de qualquer pessoa, o saneamento básico, segue distante de praticamente metade da população brasileira. Trata-se de uma área em que o Estado brasileiro atua como monopolista, proibindo que a cooperação através de mercado busque solucionar o problema.

O que falar do modelo da nossa educação? Diante de resultados tão pífios, o que justifica a centralização da gestão educacional e a pouquíssima diversidade curricular? E o caos na saúde e segurança pública, que impõe restrições a todos os cidadãos sem ser capaz de entregar de volta serviços com o mínimo aceitável de eficiência?

É para buscar soluções para esses problemas, articulando a ação política de todos que se dedicam à causa de um liberalismo popular e por inteiro que nós existimos. Não é a toa que somos herdeiros do abolicionismo. Vamos levar até o fim as missões de Joaquim Nabuco, Luiz Gama e José do Patrocínio.

A crueldade que deu suporte à escravidão no Brasil é ainda mais chocante quando lembramos de leis promulgadas para apaziguar o movimento abolicionista. A do Ventre Livre, de 1871, deu “liberdade” às crianças de mulheres escravizadas, cujos filhos continuaram trabalhando ou foram abandonados nas ruas. Já a dos Sexagenários, de 1885, “libertava” escravos idosos com mais de 65 anos, largados como máquinas velhas após a aprovação da lei. Mas nenhuma delas foi tão cruelmente decisiva para a perpetuação da herança escravocrata quanto a Lei de Terras. 

Essa lei previa que ninguém poderia ocupar um lote inexplorado para cultivo e trabalho: as terras só poderiam ser obtidas pela concessão do governo brasileiro. Obviamente, numa sociedade aristocrática, recém-saída de um regime de escravidão e profundamente oligárquica, a maior parte dos negros esteve bem longe da lista de beneficiados. Essa foi a maior derrota do movimento pela liberdade dos negros no Brasil.

Quando a Lei Áurea entrou em voga, em 1888, centenas de milhares de ex-escravos viram-se sem trabalho, sem comida e sem sequer a possibilidade de obter um lugar para viver e cultivar, impedidos de tornarem-se proprietários do próprio trabalho e sujeitados a salários de fome.

Formalmente, a escravidão foi abolida. O projeto abolicionista, no entanto, não foi concretizado. Como disse Joaquim Nabuco, um dos grandes liberais brasileiros: “A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil. Ela espalhou por nossas vastas solidões uma grande suavidade. Povoou-o com seus mitos, suas legendas, seus encantamentos, insulflou-lhe suas tristezas sem pesar, suas lágrimas sem amargor, seu silêncio sem concentração, suas alegrias sem causa, sua felicidade sem dia seguinte”.

Nabuco vislumbrou um futuro caro a todos que buscam uma sociedade livre: “A liberdade por si só é fecunda, e sobre os destroços da escravidão refar-se-á com o tempo uma sociedade mais unida, de ideias mais largas, e é possível que esta proclame seus criadores aqueles que não fizeram mais do que interromper a opressão que presidia aos antigos nascimentos, os gemidos que assinalavam no Brasil o aparecer de mais uma camada social”.

No dia em que se completam 130 anos de promulgação da Lei Áurea, resgatamos os princípios do movimento liberal abolicionista e reafirmamos que o projeto de liberdade para todos não terminou em 1888. A missão emancipatória continua. Enquanto a liberdade não for assumida como um valor central da sociedade brasileira, seguiremos lutando para ampliar as possibilidades de escolha até que todos possam ser, decisivamente, os protagonistas de suas próprias vidas.