A conta chega na segurança pública

January 29, 2015

Segurança Pública

O relatório “Homicídios na adolescência no Brasil” feito pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em parceria com a Unicef, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro e o Observatório das Favelas, reconhece que o país “avançou muito pouco em termos de prevenção da violência letal contra adolescentes no Brasil”. O estudo é muito bem realizado tecnicamente e apresenta dados que indicam que os principais programas do governo federal para a segurança pública falharam na concepção ou na execução de suas propostas.

O Programa Nacional de Segurança com Cidadania, o Pronasci, iniciado em 2007, foi a principal iniciativa dos governos Lula e Dilma na área, até o momento, e tinha justamente como foco os segmentos demográficos de maior risco de vitimização, como os jovens e adolescentes das regiões metropolitanas mais violentas do país. A retórica empregada pelo Pronasci previa uma nova conjugação entre políticas de segurança pública e políticas sociais e os recursos mobilizados não foram desprezíveis. Mas na prática quase nada aconteceu como previsto. Falhas na execução não permitiram ao Governo Federal gastar o que estava previsto no orçamento. Em 2009, o ano de maior dotação do programa, foram gastos R$ 876,7 milhões de R$ 1,2 bilhão previsto.

E pior ainda, a parte mais importante desses gastos, R$ 656 milhões, foi destinada a bolsas de complementação salarial para policiais que serviriam para supostamente melhorar sua qualificação profissional em cursos de educação à distância. Em tradução livre, 75% do orçamento do Pronasci foi destinado à acomodação de interesses corporativos das polícias e à compra de conteúdo para os cursos de educação à distância nas principais universidades do país. O governo montou assim uma fórmula imbatível de sucesso no curto prazo. Mas parte da conta começa a chegar. Na avaliação do próprio governo, “no ano de 2012, para cada grupo de mil adolescentes que chega aos 12 anos, 3,32 indivíduos serão mortos por homicídio antes de cumprir os 19 anos de idade. Esse valor representa um aumento brusco em relação aos anos anteriores”.

Uma das principais conclusões do relatório é que os programas federais falharam onde eles são mais necessários: nos estados do Nordeste, que além de terem menos recursos orçamentários, têm menor capacidade institucional para lidar com o problema. Com polícias pouco estruturadas, sistemas prisionais precários e carências generalizadas no funcionamento da Justiça, esses estados não dispõem de meios para conceber e executar políticas públicas eficientes na área. E segurança pública é uma área em que ideias e práticas ruins custam caro. Se nada for feito de diferente, custará a vida de 16 mil adolescentes até 2019 no Nordeste, e no Brasil serão quase 42 mil vidas perdidas.

Para nossa sorte, há algumas exceções importantes no país. Embora o estado de São Paulo tenha o maior número de cidades com mais de 100 mil habitantes no país, a cidade paulista mais violenta contra os adolescentes aparece na posição 211 do ranking de 288 cidades. Se analisarmos o ranking na ordem inversa, o estado de São Paulo tem 18 das 20 cidades menos violentas do Brasil com população acima de 100 mil habitantes. Ainda mais, 48 das 50 cidades menos violentas do Brasil contra os adolescentes estão no estado.

São Paulo não é o único caso de sucesso. Mesmo no Nordeste, há o caso muito interessante de Pernambuco. Em 2005, Recife tinha um índice de homicídios de 7,12 por grupo de mil adolescentes. Em 2012 o índice caiu para 3,74, o que corresponde a uma redução de 51%. O mesmo processo aconteceu em Olinda, Petrolina, Jaboatão e Garanhuns e em todos os demais municípios daquele estado com exceção do município de Vitória de Santo Antão. No estado vizinho, a Bahia, a dinâmica foi oposta. Entre 2005 e 2012 todos os municípios pioraram muito. Isso só não aconteceu em Juazeiro, que fica em frente a Petrolina do outro lado do Rio São Francisco e talvez por isso tenha se beneficiado um pouco dos bons ventos que sopraram de Pernambuco. Em Salvador o aumento foi de 215%, e o aumento médio nos municípios baianos foi de mais de 400% no curto espaço de sete anos. Pernambuco é um caso isolado no Nordeste. Na vizinha do Norte, a Paraíba, o aumento foi de mais de 400% nos três municípios com mais de 100 mil habitantes do estado. Esse foi também o comportamento dos demais estados da região, o que explica a significativa piora da região nos sete anos analisados no relatório. Fora do Nordeste, há outros casos de estados que conseguiram reduzir o nível de violência contra seus adolescentes. Além de São Paulo merece destaque o Rio de Janeiro. Na capital e nos grandes municípios do Estado, como Belford Roxo e Niterói, a melhora foi significativa, com reduções de mais de 50% no índice.

O que os Estados que conseguiram bons resultados têm em comum é o fato de terem implementado políticas públicas fundamentadas em mecanismos causais plausíveis. São Paulo melhorou a distribuição do efetivo da Polícia Militar de acordo com o tamanho da população e o número de ocorrências, aumentou as taxas de elucidação de crimes violentos e o sistema de justiça criminal em consequência foi capaz de reduzir as taxas de impunidade – com o efeito óbvio sobre a população carcerária.

Em Pernambuco houve o Pacto pela Vida e no Rio de Janeiro a combinação da política de pacificação com a adoção de mecanismos de cobrança de resultados no trabalho das polícias. Em resumo, esses estados preferiram fazer suas polícias trabalharem mais, cobraram resultados. Adotaram diferentes mecanismos e incentivos para tirar as polícias de suas zonas de conforto e das rotinas de baixa produtividade a que estão normalmente entregues, e isso parece estar dando certo. As políticas federais foram na direção inversa. Optaram pelo sistema homeopático de diluir o “princípio ativo” das políticas públicas de segurança. O Ministério da Justiça, com a instalação do Pronasci, passou a gerir diretamente projetos sociais como os programas “Mulheres da Paz” e “Proteção de Jovens em Território Vulnerável”, e tem induzido os estados a priorizar gastos indiretos com projetos ‘estruturantes’ das polícias, como a recuperação de instalações físicas, treinamento, aquisição de sistemas de computadores, entre outras despesas do gênero. Tudo isso serviu para acomodar os interesses corporativos das polícias estaduais e provavelmente ampliou o apoio político do governo nos estados e municípios contemplados com verbas federais, mas entre 2006 e 2012 mais de 33 mil adolescentes foram mortos por homicídio durante esse período. Como indica o relatório, esta cifra é inferior em apenas 5% à estimativa original feita com base nos dados de mortalidade de 2005. O resultado poderia ter sido muito melhor, bastava ter feito o que São Paulo, Pernambuco e Rio de Janeiro fizeram. Na segurança, como na economia, estamos sentindo o peso das escolhas erradas e da conta que temos que pagar.