O ódio à Tabata Amaral nos mostra como nosso sistema político funciona mal

August 10, 2021

Na última semana, foi votada um projeto de lei que permite a privatização dos Correios na Câmara, e, mais uma vez, a deputada federal Tabata Amaral votou contra a orientação do PDT em um assunto de grande relevância nacional.

Exatamente como aconteceu no caso da Previdência, ela foi parar nos assuntos mais comentados do twitter, e lá permaneceu durante quase 24 horas.

A maioria dos comentários eram agressivos, criticando a Tabata por ser “traidora da esquerda”, “liberal”, e “destruidora de direito dos trabalhadores”, etc.

O problema é que ela não foi a única deputada do PDT que votou contra a orientação partidária:

Além dela, três outros deputados do PDT, e dois outros deputados do PSB, votaram a favor da privatização dos correios, mas nenhum deles foi alvo de praticamente nenhum comentário.

Além de ter ficado nos assuntos mais comentado do twitter, o post da Tabata justificando o voto a favor dos correios tem 10mil comentários e contando.

Abaixo são reproduções das redes do deputado Jesus Sérgio do PDT-AC, que se disse contra a privatização, mas votou a favor. Teve 20 comentários e, pelo que eu li, ele foi prontamente perdoado pelos seus seguidores.

O Marlon Santos do PDT do Rio Grande do Sul nem mesmo tem redes sociais ativas, o último tweet dele é de 2014.

É perfeitamente natural cobrar e criticar seu deputado federal, mas os ataques que a Tabata Amaral sofre são extremamente desproporcionais em relação a outros deputados que agem exatamente da mesma forma.

Um outro exemplo dessa desproporcionalidade é o governador Flávio Dino, governador do Maranhão, que foi autor de um projeto de lei para privatizar a Estatal do Gás do Maranhão.

O político tem mais ou menos a mesma quantidade de seguidores que a Tabata no momento que eu escrevo este artigo (ele tem 620mil, ela tem 626mil), e em dezembro de 2019, quando a estatal foi privatizada, não houve nenhuma reação online nem no twitter, nem no instagram.

Se a esquerda do país inteiro critica a Tabata por privatizar os Correios e “retirar direitos dos trabalhadores”, por que não criticam esses todos esses outros homens eleitos com a mesma intensidade?

Uma pessoa comentou comigo que a falta de cobrança é justificada pela ausência de seguidores nas redes sociais dos outros deputados, porém, deputado não é influencer. 

Deputados menos conhecidos e menos transparentes também votam, e esse voto tem o mesmo peso na hora de privatizar uma empresa ou aprovar uma lei, além de custarem a mesma coisa para o erário público, porque eles têm acesso à apartamento funcional, dezenas de funcionários, verba de gabinete etc.

Por conta do nosso sistema representativo, alguns deputados são eleitos com números extremamente grandes de votos, e puxam desconhecidos, enquanto deputados com votações mais expressivas ficam de fora caso o partido não faça cadeiras suficientes.

O sistema é feito para gerar mais representação no Congresso, mas eu argumento que ele tem o efeito contrário, porque o brasileiro de forma geral não vota em partido, e sim em pessoas, e quando o seu deputado não é eleito, você simplesmente se considera não representado e não acompanha nada que ninguém faz.

Isso gera uma legião de deputados pouco conhecidos — e pouco cobrados.

A título de exemplo, temos o Jesus Sérgio do PDT-AC, recebeu apenas 9.537 votos e foi eleito, apesar de outros 6 candidatos terem recebidos mais votos.

Já a Tabata Amaral recebeu 264.450 votos em 2018, ela foi a sexta mais votada do estado de São Paulo.

Além da votação expressiva, a deputada tem um mandato técnico e transparente, com redes sociais super ativas, e o público muitas vezes a pune por essa transparência, porque sendo informado com facilidade, pode criticar com facilidade.

Por fim, essa atenção desproporcional provavelmente é boa para a Tabata, porque as pessoas votam em quem elas lembram, e, em 2022, elas vão lembrar da deputada. Se ela conseguir aguentar o stress emocional que os ataques geram, ela vai continuar sendo deputada.

Quem sofre é o nosso sistema, porque em 2022, a votação expressiva de deputados conhecidos como ela puxará uma legião de deputados pouco conhecidos e pouco cobrados que terão acesso à apartamentos funcionais, dinheiro e, claro, ao legislativo.