O acordo da Vale está paralisado – e isso diz muito sobre os interesses escusos na máquina pública

June 29, 2021

Em fevereiro de 2021, o Estado de Minas Gerais e a Vale S/A firmaram um acordo histórico, com a mediação do Poder Judiciário do Estado de Minas Gerais. Trata-se do maior acordo de fixação de compensação e reparação socioambiental da história do Brasil, somando um total de R$ 37,7 bilhões, com vistas à reparação dos danos causados a todo o Estado de Minas Gerais em razão do rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, ocorrida em 25 de janeiro de 2019.

Para que o acordo seja cumprido pelas partes, é preciso ter segurança jurídica. Para isso, o Poder Executivo do Estado apresentou, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, um Projeto de Lei, de no 2.508/2021, em 02 de março de 2021. Esse projeto abre crédito suplementar, em favor do Estado, no valor de R$ 11 bilhões, sendo que os demais valores serão executados diretamente pela Vale, mas também dependem da aprovação do Projeto de Lei para serem aplicados.

A parte mais difícil – negociar o acordo entre as partes, em termos que podem ser cumpridos pela empresa e que atendam aos extensos danos causados a toda Minas Gerais – já foi feita. Só é necessário obter o aval do Poder Legislativo para que o Estado possa cumprir a palavra já empenhada. E, infelizmente, nisso não houve qualquer avanço desde então.

Desde março de 2021, o projeto de lei do Acordo não avançou em nada na Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais. Ele dependeria de apreciação apenas em dois colegiados: na Comissão de Fiscalização Financeira e Orçamentária, e no Plenário da Assembleia. Ontem, 21 de junho, depois de muitos atrasos e de muitas idas e vindas, o projeto de lei estava para ser votado na primeira Comissão, e parecia destinado a ir a Plenário. Só que, de última hora, não houve a votação.

Enquanto o Acordo não for aprovado pela Assembleia, o dinheiro – que manterá o auxílio financeiro pago hoje aos atingidos pelo desastre, e que deixará de ser pago em agosto; que fará a universalização do saneamento básico na bacia do rio Paraopeba e garantirá segurança hídrica para a região metropolitana de Belo Horizonte; que irá para a reforma e finalização de hospitais regionais, entre outras várias destinações – ficará parado nas mãos da empresa. Pior: a demora na homologação do Acordo gera o risco de desistência das partes, fazendo com que Minas Gerais tenha de propor uma ação de danos bilionária, e correr todos os riscos implicados pelo recurso ao Judiciário. Ninguém ganha com a demora; todos perdem.

Pior: o argumento utilizado pelo Presidente da Assembleia Legislativa, dep. Agostinho Patrus, desde o início da tramitação do projeto, era a falta de ingerência dos deputados na aplicação dos recursos, como se o dinheiro fosse dos parlamentares, e não do povo de Minas Gerais. De acordo com a emenda proposta pelo Chefe do Poder Legislativo e assinada por mais 68 Deputados, R$ 1,5 bilhão seriam rateados entre todos os municípios do Estado, conforme o tamanho de sua população – um verdadeiro bilhete premiado, sem qualquer fiscalização ou controle na aplicação das verbas, para todas as Prefeituras e bases eleitorais.

Chega a ser obsceno pensar que a tragédia de Brumadinho, que ceifou 270 vidas humanas e deixou 11 desaparecidos, vire moeda de troca nas transações políticas. Mas, infelizmente, é o que parece ter acontecido. Os interesses organizados de alguns poucos vêm se sobrepondo à reparação dos danos humanos, ambientais e econômicos causados pelo desastre. É por isso que se pede que o Acordo da Vale tenha a sua chance de ser levado ao Plenário da Assembleia do Estado e votado, sem conchavos e sem segredos, com transparência e agilidade, de modo a ajudar que os atingidos voltem a ter algum mínimo de reparação, acolhida e respeito.