Manuela D’Ávila no Roda Viva – Uma Análise Através do Feminismo Liberal

June 29, 2018

Quando a inglesa Mary Woolstonecraft escreveu o que seria compreendido como um dos primeiros tratados feministas da história da humanidade, no século XVIII, a opressão de gênero pendia sobre as costas das mulheres de maneira bem diferente de hoje em dia, com respaldo gritante dos Estados. Ao menos no Ocidente, o sexismo nas relações sociais está se tornando mais tácito, de forma que nem sempre é simples precisar se uma atitude foi ou não machista.

Esta dúvida dominou as análises após a entrevista de Manuela D’Ávila – pré-candidata à presidência pelo PCdoB – no programa Roda Viva de 25 de junho. As frequentes interrupções que sofreu foram fruto de misoginia dos entrevistadores ou apenas uma maneira de extrair respostas mais claras aos questionamentos feitos para ela? Não há resposta pronta ou simples.

Manterrupting

O fenômeno do Manterrupting faz parte desse conjunto de opressões e preconceitos menos óbvias e comuns no dia a dia das mulheres. É difícil mensurá-las, identificá-las ou mesmo precisar se ocorreram ou não sem a ajuda da potencial vítima. Em linhas gerais, o manterrupting consiste na interrupção sistemática de mulheres durante os mais diversos tipos de conversa, de forma mais recorrente e incisiva do que com homens.

Uma pesquisa realizada pela Universidade de George Washington (EUA) comprovou que, realmente, mulheres são mais interrompidas que homens em conversas curtas de até três minutos – 2,1 vezes, mais precisamente –. Ao mesmo tempo, constatou algo igualmente interessante: no mesmo cenário, com duas interlocutoras, a quantidade de interrupções sobe para 2,9. Obviamente, essa conclusão não muda o fato de que mulheres têm, em média, a fala mais interrompida e nem mesmo coloca em xeque uma raiz sexista da situação, tendo em vista que todos, inclusive mulheres, estão sujeitos a reproduzir atitudes machistas.

Isso não significa, no entanto, que toda e qualquer interrupção à fala de uma mulher seja Manterrupting. As relações humanas são complexas e não-lineares; diversas variáveis podem contribuir para um resultado específico. Com base nas evidências da própria entrevista e comparando com outas edições, é possível fazer uma análise mais aproximada do que ocorreu, de fato, neste Roda Viva.

O Programa

Comparativamente, esta foi a entrevista mais fraca com um presidenciável no programa esse ano. A medíocre formulação das perguntas e o corpo de jornalistas convidados são questionáveis. Numa sabatina de pré-candidata do PCdoB, colocar o coordenador de campanha de Jair Bolsonaro – Frederico D’Ávila – como entrevistador é sofrível.

Por outro lado, a fuga das respostas e as explicações pouco objetivas da entrevistada aprofundaram ainda mais o problema. Ao todo, durante o programa, Manuela desviou 22 vezes do assunto pautado. É importante salientar que um bom jornalismo – principalmente em se tratando de ano eleitoral – extrai respostas claras e encontra falhas no discurso do interlocutor, usando-as para enriquecer o debate.

A intenção não é transformar sabatinas em palanques. A figura central do diálogo é o eleitor e não o político.

Antes de apontar Manuela como vítima de machismo, deve-se ter em vista alguns dados. Comparando a entrevista dela com a de Marina Silva – outra candidata mulher, que se autodeclara negra – é possível notar uma gritante diferença: Manuela fora interrompida 44 vezes, ao passo que Marina fora apenas 8.

É preciso, obviamente, ter cautela ao fazer esta analogia, visto que o corpo de entrevistadores era diferente. Todavia, também é interessante notar que Manuela os interrompeu cerca de 36 vezes, segundo a Folha de São Paulo, e Marina não o fez em nenhum momento.

Manuela era perguntada sobre a grave crise humanitária causada pelo ditador Nicolás Maduro na Venezuela e respondia com dados da sub-nutrição de idosos no Brasil. Era questionada sobre seu posicionamento e o de seu partido acerca dos regimes socialistas que ceifaram milhões de vidas, como o de Stálin, e ela citava outros fatos históricos lamentáveis, mas sem ligação direta com a pergunta em si, tergiversando. Era indagada sobre sua opinião quanto à castração química como punição para o estupro – proposta facilmente refutável da perspectiva dos direitos humanos, de cuja pauta ela se diz defensora – e em resposta se contentava em dizer que quer um país com menos crimes desta natureza. Feliz ou infelizmente, é necessário intervir na fala do receptor quando ele não capta ou se recusa a captar a mensagem, e foi isso que ocorreu.

Com exceção de Frederico D’Ávila – que realmente interrompia sem o objetivo de trazer Manuela ao cerne da pergunta –, todos os outros presentes interromperam-na com um único objetivo: dar ao eleitor respostas claras e diretas às questões colocadas, como Marina fez. Fica cristalino, então, que a pré-candidata não foi vítima de machismo – de bom jornalismo, talvez.

Repúdio

Apesar da ausência de Manterrupting na entrevista, outra situação muito grave passou por muitos batida: a conivência de Manuela com ditaduras que trouxeram miséria e tolheram a liberdade de milhões de indivíduos.

A pré-candidata evitou criticar o regime stalinista e a ditadura de Maduro, que mantém a Venezuela em um estado de penúria lastimável. Feminista e defensora dos direitos das mulheres, ela parece não saber que as venezuelanas hoje vendem seus cabelos para conseguir alimentar os filhos, não possuem mais tratamento disponível para o câncer de mama, ou mesmo que atravessam a fronteira do Brasil e aqui recorrem à prostituição. A luta feminista não pode se restringir a belas palavras de ordem estampadas em camisas.

Manuela não soube colocar em pauta uma proposta sólida sequer para essas e outras mulheres que sofrem com a violência e a marginalização, o que deixa claro que, ao menos politicamente, o feminismo defendido por ela e seu partido tem fins puramente eleitorais, não humanitários.

A conclusão é lastimosa: a luta por direitos humanos não pode continuar abandonada nas mãos de gente mal intencionada. É chegada a hora dos liberais retomarem o protagonismo na luta que eles mesmos iniciaram.