Irã vs EUA: Todos perdem com a guerra

January 14, 2020

Após uma década de relativa distensão entre os Estados Unidos e o Irã, a escalada das tensões entre os dois rivais representa um perigoso retrocesso para o anseio de um Oriente Médio mais pacífico, estável e por conseguinte próspero.

Os esforços recentes visando a um entendimento mínimo entre americanos e iranianos datam de 2013, quando negociações inicialmente secretas entre os dois países começaram em Omã.

Canais abertos ao diálogo e uma predisposição à conciliação dos governos de Barack Obama e Hassan Rouhani – em notório contraste à postura hostil de seus antecessores George W. Bush e Mahmoud Ahmadinejad – culminaram em um acordo em 2015 que garantiria ao Irã acesso a urânio enriquecido para fins pacíficos tendo como contrapartida o estabelecimento de uma miríade de mecanismos de monitoramento e controle.

Em paralelo, sanções sobre a economia iraniana que datavam da década de 1970 começariam a ser gradualmente afrouxadas ou retiradas conforme o cumprimento de certas metas comumente acordadas. Não era um acordo perfeito – havia críticos ferozes em ambos os países, incluindo o então pré-candidato republicano Donald Trump – mas era o acordo possível naquele momento. Dado o histórico hostil entre as duas nações, o esforço foi em grande medida louvável, por ter incentivado uma tímida, porém importante aproximação.

Outro importante ponto desse período de distensão, este menos conhecido do grande público, foram os esforços de coordenação a partir de 2014 para combater o fundamentalismo sangrento do Estado Islâmico no Iraque e na Síria, inimigo comum de americanos e iranianos que trouxe adiante a mais ampla – e talvez mais improvável – coalizão internacional desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

O expansionismo e a barbárie sem precedentes do califado puseram ao lado dos Estados Unidos no combate não apenas OTAN e Israel, seus tradicionais aliados em incursões no Oriente Médio, mas igualmente países não-alinhados, como o Irã de Rouhani, a Rússia de Putin e a Síria de Assad, e até mesmo grupos não-estatais designados como terroristas pelos americanos, como al-Qaeda, Hamas, Hezbollah e Talibã. Qasem Soleimani – o general iraniano executado em Bagdá, causa imediata da escalada das tensões – exerceu papel fundamental no enfraquecimento do Estado Islâmico na região, ao ponto de sua execução pelos americanos ter sido celebrada pelos resquícios do grupo jihadista.

Se o assassinato de Soleimani implicou na derrocada desse frágil porém crucial entendimento entre Estados Unidos e Irã, ou se o mesmo ruiu justamente pelo apoio de Soleimani a rebeldes iraquianos contrários à presença militar americana em seu país, é uma discussão infrutífera. O ponto principal é: o fim da distensão representa uma oportunidade perdida para o diálogo e a moderação entre dois importantes atores na região. Acima de tudo, o recrudescimento da crença no conflito como única ou principal solução para as desavenças entre americanos e iranianos mostra-se uma ideia errônea.

Como já dizia Sir Ralph Norman Angell – um dos precursores da corrente liberal nas Relações Internacionais e Prêmio Nobel da Paz em 1933 – é ilusão achar que o militarismo traz algum tipo de dividendo em um mundo pós-Revolução industrial pautado por relações econômicas cada vez mais complexas e de interdependência. Todos perdem com a guerra. A paz é condição sine qua non para o progresso socioeconômico. E mais: fornece caminho viável para o readequamento eficaz de párias ou não-alinhados.

Um exemplo concreto é o Vietnã. Vinte anos de guerra não foram capazes de impedir o avanço do mais retrógrado dogmatismo marxista em solo vietnamita. Foram justamente a normalização, a partir de 1995, das relações diplomáticas com os Estados Unidos e o engajamento em acordos comerciais que permitiram reformas liberalizantes no país asiático. Hoje, o Vietnã está consolidado como uma das principais economias emergentes na região, retirando milhões de pessoas da pobreza extrema.

Em resumo, a lição vietnamita demonstra que uma postura hostil reforça vícios e comportamentos erráticos. Por sua vez, uma postura que preconiza o diálogo e incentiva a inserção plena em cadeias internacionais de valor gera mudanças comportamentais positivas no médio e longo prazo.

Não será diferente com o Irã. O conflito irá afastá-lo ainda mais de seus vizinhos e do restante da comunidade internacional. E quem sairá fortalecido? O regime dos aiatolás atômicos, que criam um inimigo externo como bode expiatório ideal para justificar a sua própria incapacidade política, econômica e administrativa.

Veja nossa entrevista sobre o tema com o embaixador Paulo Roberto de Almeida