Como a Proibição Estatal ajudou a marginalizar o Futebol Feminino, por Cecília Lopes

August 14, 2018

O Futebol é um esporte amado e admirado mundialmente. No entanto, há um questionamento que sempre suscita calorosas discussões: por que a modalidade masculina é tão mais valorizada que a feminina, especialmente no Brasil?

Muitos recorrem a respostas simplistas, como a uma suposta inferioridade biológica das mulheres, que tornaria suas partidas mais monótonas e, com isso, menos interessantes aos consumidores. Mas a conta não fecha: nos Estados Unidos, por exemplo, o futebol feminino possui um bom espaço na mídia e as meninas são estimuladas desde cedo a praticar o esporte, tendo a possibilidade de se tornarem profissionais.

No Brasil, portanto, o problema é mais profundo. Talvez um bom caminho para desvendá-lo seja olhar para trás: nossas duas ditaduras proibiram que mulheres jogassem futebol.

Em meados da década de 1930, os jogos femininos passaram a se popularizar; partidas beneficentes e jogos quase alcançando nível profissional se difundiram pelo país, especialmente no Sudeste. Mas essa não era uma época de plena liberdade para as mulheres: elas ainda não podiam sequer trabalhar, comprar e vender bens sem a autorização do marido. Sendo assim, forças conservadoras passaram a pleitear a proibição do futebol feminino – e conseguiram.

Em 1941, Vargas lançou um decreto-lei que criava o Conselho Nacional de Desportos(CND), uma espécie de agência reguladora das atividades esportivas. Baseado nas ideias eugenistas em voga na época, o texto proibia mulheres de exercer atividades que “contrariassem sua natureza humana”, como afirma o artigo 54:
“às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país”.

Por conta dessa lei, iniciativas femininas que estavam ganhando notoriedade foram reprimidas. Foi o caso das meninas no Atlético Clube de Araguari, no interior de Minas Gerais, que em 1958 resolveram ignorar as normas estatais e serem donas dos próprios corpos.

Elas passaram a abrir partidas de jogos masculinos da região, sendo muitas vezes vistas como a atração principal; fizeram partidas em outros estados e municípios e foram até mesmo convidadas, em 1959, para jogar no México. Mas neste momento foram reprimidas e proibidas de jogar. Atualmente, elas são tidas como as precursoras do futebol feminino profissional no Brasil.

Seis anos depois, em 1965, a ditadura militar decidiu reiterar a proibição, agora deixando expresso quais esportes mulheres não poderiam praticar. Lançaram então a deliberação número 7 no texto da CND, que dizia:
“Não é permitida a prática feminina de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, polo, halterofilismo e beisebol”.

A partir da publicação do texto, o futebol feminino foi totalmente marginalizado e outras iniciativas, como a das meninas de Araguari, jogadas ao esquecimento.

Foi apenas em 1979 que deixaram de proibir mulheres de usar chuteira. A esta altura, o futebol masculino já estava maculado nos corações dos brasileiros, e nunca saberemos como seria se deixássemos que mulheres jogassem livremente.

Atualmente, pouca gente vibra com as meninas em campo, o que reduz o patrocínio na modalidade e, consequentemente, o investimento nas jogadoras. O machismo de segmentos conservadores da era varguista e da ditadura militar perdura até hoje, mesmo sem querer, no imaginário popular.

A única forma de reparar os quase 40 anos de proibição estatal é criando uma cultura em torno do futebol feminino, através das iniciativas individuais. Assistir aos jogos, convidar os amigos a conhecer a modalidade e escolher um time para torcer são excelentes maneiras de, no longo prazo, dar um pouco mais de visibilidade às meninas.

Só assim será possível deixar para trás a triste história de sujeição das mulheres que, além de presente no âmbito legal e econômico, também aconteceu nos campos.

Cecília Lopes é liderança do Livres-RJ e fundadora do Ladies of Liberty Alliance no Brasil.