Agenda ambiental brasileira: acordaremos do pesadelo em 2021?

January 15, 2021

Este artigo teve colaboração de Juliana Fragetti Ribeiro Lima, membro da Setorial de Sustentabilidade do Livres, e Fausto Barros de Sá Teles, engenheiro, Mestre em Ciência Política e coordenador da Setorial de Sustentabilidade do Livres.

A política ambiental brasileira foi intensamente questionada ao longo de 2020, dentro e fora do país. Insistindo em sua estratégia irracional de fazer uso ideológico da pasta de meio-ambiente, o governo federal assistiu sua imagem se desgastar diante de uma série de acontecimentos negativos marcantes. Entre eles, não se pode ignorar o aumento nas taxas de desmatamento da floresta Amazônica, os incêndios de proporções catastróficas no bioma do Pantanal, além das duras críticas pela diminuição das ações de fiscalização e pela militarização de órgãos ambientais.

A floresta Amazônica sofre há muitos anos com o desmatamento ilegal em seu território, não sendo essa uma exclusividade do atual governo. Entretanto, desde 2019, a taxa de desmatamento vem apresentando uma clara tendência de crescimento, após longo período de pouca variação em um patamar inferior. Dessa forma, ainda que o desmatamento na Amazônia esteja longe dos elevados patamares observados no início dos anos 2000, fica evidente que a gestão atual tem sua parcela de culpa pelos resultados negativos recentes. Para piorar, a recessão econômica, acentuada com a chegada da pandemia, aumentou a pressão por uma exploração desordenada dos recursos naturais visando ganhos ilegais. Enquanto isso, vamos depredando nosso patrimônio ambiental nacional. Na região Amazônica, já atingimos uma perda de aproximadamente 20% da área originalmente ocupada no Brasil, metade disso apenas nos últimos 20 anos. O amadurecimento da agenda de bioeconomia e de ideias como o projeto Amazônia 4.0 mantém a esperança de uma preservação racional aliada a geração de ativos econômicos por meio da floresta mantida de pé, ainda que não haja sinais de que serão tratadas como pauta prioritária neste ano que se inicia.

No Pantanal, que tem cerca de 15% da sua cobertura original convertida em pastos para produção extensiva de gado, a situação se agrava em função das mudanças climáticas. Já são observáveis na região os efeitos da redução nos regimes de chuva e de aumento da temperatura, modificando a dinâmica de inundação e favorecendo o avanço de espécies exóticas voltadas à produção em áreas antes alagáveis. Esse panorama, somado ao aumento no uso do fogo para manejar plantações, facilitaram a proliferação de queimadas por meio do solo seco e rico em biomassa orgânica, culminando em eventuais incêndios que provocam a perda de biodiversidade que todos nós assistimos nos noticiários. Neste caso, o grande erro do governo foi ter ignorado os indicadores e alertas climáticos dos primeiros meses do ano, além de ter diminuído o aparato de fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e das unidades de conservação federais na região. Tendo em vista o cenário de mudanças climáticas, o que foi visto em 2020 no Pantanal pode se tornar mais recorrente do que se imaginava, o que torna urgente a adoção de novas estratégias para mitigar o problema. Entre as iniciativas promissoras, que deveriam avançar em 2021, estão os projetos no Congresso Nacional para a criação do Estatuto do Pantanal, que visa aumentar a conservação, proteção e uso racional dos recursos deste bioma, incluindo um sistema de monitoramento ambiental contínuo integrado à rede estruturada dos corpos de bombeiros para respostas mais rápidas.

Infelizmente, é difícil acreditar em avanços diante do quadro recente de redução dos quadros técnicos e de aparelhamento ideológico das estruturas de gestão ambiental. Ideologia essa que mais parece enxergar o meio ambiente como empecilho para os seus planos de desenvolvimento, do que como patrimônio brasileiro, responsável pelo fornecimento de diversos serviços ecossistêmicos negligenciados, bioativos, propulsor de uma significativa cadeia de serviços atrelados ao turismo, entre outros predicados que contribuem para a qualidade de vida das pessoas. A exoneração em massa de profissionais de carreira do Ibama, que estiveram à frente de operações de fiscalização contra grileiros e madeireiros ilegais na Amazônia através de vários governos, levanta suspeitas quanto às reais prioridades do governo. Nos cargos de direção das unidades de conservação e superintendências regionais do Ibama, profissionais de perfil técnico vêm sendo substituídos por militares, em sua maioria aposentados e sem formação acadêmica na área ambiental. Ao mesmo tempo, verifica-se que o número de operações de fiscalização e de autuações por desmatamento ilegal foram reduzidos drasticamente em relação à última década. Em particular, preocupa a proposta de regulamentação de atividades de mineração em terras indígenas, conforme projeto de lei enviado ao Congresso Nacional em fevereiro do ano passado. Embora a discussão seja legítima, é difícil manter o otimismo quando o governo sequer é capaz de fazer valer a legislação atual, que proíbe tais atividades. Para 2021, o desafio promete ser ainda maior, em razão do novo corte de orçamento previsto na pasta do Ministério do Meio Ambiente.

Chega a ser irônico que um governo eleito com o discurso que incluía livrar a pauta ambiental do radicalismo ideológico faça exatamente o que prometeu combater. Com essa postura, além de boicotar os setores econômicos brasileiros que dependem da nossa inserção internacional, acaba por ofuscar sucessos na área ambiental que poderiam ser mais celebrados e divulgados. O avanço da agenda ambiental urbana, a continuidade da política de concessão em parques nacionais com potencial ecoturístico, bem como a reestruturação do sistema de licenciamento ambiental federal através do site do Ibama são avanços que passam despercebidos, detrás do turbilhão de erros de gestão e de comunicação. Embora não haja sinais de uma mudança de comportamento por iniciativa do próprio governo, veremos se a pressão internacional por maior responsabilidade ambiental aumentada em 2021, surtirá efeito algum efeito na estratégia de desenvolvimento adotada em solo brasileiro.