Acordo Mercosul-União Europeia e a questão da sustentabilidade

September 9, 2020

Por Claudia Spilimbergo, profissional formada em direito pela PUC-SP, MBA em gestão empresarial pela Fundação Getúlio Vargas e LL.M. em direito international pelo Graduate Institute of International and Development Studies em Genebra. Possui 8 anos de experiência em direito societário, mercado de capitais e operações financeiras, focado em empresas do agronegócio. Além de experiência com as regras da OMC em comércio internacional em agricultura e soluções de controvérsias. É coordenadora da setorial de agronegócio do Livres.

No dia 28 de Junho de 2019, após 20 anos e 40 rodadas, o Mercosul e a União Europeia concluíram as negociações do acordo de livre comércio (FTA) entre os dois blocos econômicos. No entanto, o acordo ainda precisa ser ratificado por cada país europeu.

Esse acordo é o primeiro grande pacto entre os dois blocos e se espera que tenha grande impacto no comércio entre eles. Estima-se que com o FTA EU-Mercosul, muitas das tarifas de exportação sejam removidas em até 10 anos.

Além disso, o acordo pretende reduzir barreiras técnicas, promover a transparência e o uso de standards internacionais para facilitar o acesso a mercado entre eles.

Esse FTA cobre diversos assuntos, como propriedade intelectual, facilitação de comércio, comércio de serviços, condições de trabalho, regulações técnicas, sustentabilidade, entre outros assuntos. Além de ter um capítulo inteiro sobre sustentabilidade. Esse capítulo vem sendo incluído em acordos feitos pelo bloco europeu, mas ele ganhou destaque ano passado, devido às queimadas na Amazônia.

É importante ressaltar que esse tópico foi bem sensível até o final das negociações.

Existe uma preocupação geral na Europa com as mudanças climáticas e com a sustentabilidade, principalmente vinda da sociedade civil E o desenvolvimento sustentável é um tema que precisa ser discutido e implementado nos dias atuais.

O acordo Mercosul-União Europeia é baseado na premissa que o comércio não deveria ocorrer às custas do meio ambiente. O comércio deve promover o desenvolvimento sustentável. Então, esse acordo tem um capítulo inteiro chamado Comércio e Desenvolvimento Sustentável.

Esse capítulo tem como objetivo integral o desenvolvimento sustentável, o comércio e investimento entre as partes. ele reafirma os compromissos das partes com o meio ambiente, com a proteção do clima e a implementação do Acordo de Paris sobre o Clima e a Conversão da ONU sobre Mudanças Climáticas.

Um ponto importante nesse capítulo foi a inclusão do princípio da precaução. Esse princípio assegura que os países da União Europeia e do Mercosul podem criar medidas para assegurar a proteção da saúde e do meio ambiente, mesmo que isso afete o comércio, inclusive em situações que não tenham informações científicas conclusivas. Esse princípio é uma forma de assegurar a questão de sustentabilidade que sempre foi tão sensível durante as negociações. O conceito por trás desse princípio é que é melhor prevenir do que remediar. Ou seja, alguns valores são tão preciosos para a sociedade, que é necessário protegê-los.

O capítulo de sustentabilidade é vinculante e tem seu próprio mecanismo de solução de disputas e de consultas. Contudo, não prevê mecanismos para implementação de sanções.

Finalmente, o acordo cria um comitê observador para monitorar a implementação das suas previsões de sustentabilidade. O comitê irá discutir com a sociedade civil. Um ótimo aspecto desse comitê vai ser a via formal e direta que ocorrerá para que os países possam esclarecer questões que possam aparecer. Os países receberam informações sem a intervenção da mídia. Mas, um problema que pode aparecer é relacionado ao tamanho da intromissão de outros países, o que vai contra o princípio da soberania dos estados. Mas essa será uma questão política que os governos terão que tratar no future.

Apesar de tudo isso que foi apresentado, o acordo Mercosul-União Europeia vem enfrentando oposição de países como Irlanda, Polônia e Bélgica. Mais recentemente, Ângela Merkel começou a questionar a ratificação do acordo, devido a preocupação com desmatamento e as queimadas na região.

O presidente francês sempre fez declarações que poderia bloquear o acordo caso o presidente brasileiro não seguisse com as normas ambientais.

É importante salientar que a França e a Irlanda são produtores de carne bovina e seus Produtores acreditam que o acordo possa afetar seu setor. Em adição, o parlamento holandês foi o primeiro a rejeitar o acordo. O próprio ING Bank acredita que as objeções do parlamento contra o acordo se dão em função do medo dos fazendeiros da competição desleal que possam sofrer, uma vez que a União Europeia abra seu Mercado para a carne e o açúcar sul americano. Nesse caso o desleal se daria por uma vantagem competitiva dos produtos brasileiros, em relação aos europeus. Produtividade maior, custos de produção menores.

Dessa forma, parte da tensão para a ratificação do acordo vem do lobby feito por fazendeiros europeus com medo da competição do produto sul americano, devido ao baixo custo de produção. Não é à toa que os países que mais levantam as questões de sustentabilidade no brasil são os com um lobby forte dos Produtores de carne bovina.

Em adição a isso, o agronegócio brasileiro é visto como não sustentável. Continuamente é culpabilizado pelo desmatamento, pelas queimadas, pela emissão de carbono na atmosfera. Essas preocupações vieram mais à tona depois da eleição do presidente Jair Bolsonaro e das queimadas na Amazônia em 2019. Existe um medo constante que o aumento da demanda de produtos do agronegócio brasileiros irão ter um efeito negative na conservação do meio ambiente. Contudo, a história não é bem essa.

Nós temos terras suficientes para aumentar nossa produção agrícola sem desmatar novas áreas. O Agronegócio brasileiro respeita um dos Códigos Florestais mais pesados do mundo. Os Estados que mais exportam carne bovina para a Europa estão for a da Amazônia, são Goiás, São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul, nessa ordem. E a iniciativa privada vem lançado produtos com o selo de sustentabilidade. Exemplos são a emissão de CBios, através do programa RenovaBio, e o Selo de Carbono Neutro recém-lançado pela Marfrig.

Além disso, como já foi citado, ao assinar o tratado Mercosul-União Europeia, o país reafirmou compromissos com o meio ambiente. Não só mostrando que não irá sair desses acordos, como também como pretende respeitá-los. Até porque, após a ratificação do acordo de livre comércio, caso o país não o respeite, ele poderá ser demandado através de uma disputa internacional.

Um problema que o país irá enfrentar e que deve ser controlado é o desmatamento ilegal. Existe legislação para punir os culpados e eles devem ser penalizados por seus crimes. Existe uma dificuldade de controle devido o tamanho da área da Amazônia e a dificuldade de acesso a algumas áreas. Mas, o governo deve pensar em métodos para fazer esse controle.

Por fim, os produtores europeus deveriam nos ver como parceiros comerciais e não como competidores. A grande parte da nossa carne vai para a indústria europeia e não direto para a mesa do consumidor, como é o caso da carne europeia. Não somos grandes competidores, deveríamos ser grandes parceiros.