150 anos de A Sujeição das Mulheres, de John Stuart Mill e Harriet Taylor

July 11, 2019

Futebol feminino. Participação das mulheres na política e nas empresas. É inegável que questões ligadas a igualdade de gênero e ao feminismo estão em pauta na mídia quase diariamente. Apesar da frequência com que debatemos o tema, as discussões não costumam avançar para além das visões preconcebidas dos envolvidos. Essa falta de avanço torna necessária a leitura de um livro publicado 150 anos atrás: A Sujeição das Mulheres de Harriet Taylor e John Stuart Mill. Ali os autores nos lembram do que realmente importa quando o assunto é a igualdade entre os sexos.

O inglês Mill foi um dos primeiros filósofos da era vitoriana (1837-1901) a defender com tanta veemência a emancipação das mulheres e a garantia dos seus direitos pessoais, legais e políticos. Na obra, Mill resgatou o pensamento filosófico de sua falecida esposa, Harriet Taylor, que ele descrevia como uma das mentes mais aguçadas que já tinha conhecido. Apesar da publicação após a morte trágica de Harriet, fica clara sua participação durante todo o livro. A obra defende que as mulheres deveriam ter plenos direitos sobre a propriedade, sobre o voto e exercer carreira política ou qualquer outra carreira profissional que lhes interessasse.

Logo no começo, o livro traça um paralelo entre a luta do indivíduo pela liberdade política frente aos déspotas e a luta das mulheres por liberdade frente aos homens. Ora, se é legítimo que os homens tenham lutado ao longo da história por direitos de propriedade, por menos impostos, leis justas e participação política qual seria o sentido de negar essas mesmas liberdades a metade da humanidade? Esse paralelo pode parecer óbvio hoje, mas na Inglaterra do século XIX, devido às normas legais e sociais que tratavam as mulheres como seres menos capazes, elas permaneciam à mercê dos caprichos de seu pai ou marido. Ou seja, metade da humanidade precisava ser tutelada ainda que na idade adulta.

Para Mill e Taylor, as diversas restrições a que as mulheres estavam sujeitas eram danosas não somente a elas mesmas, mas também à sociedade como um todo. Havendo pelo menos uma mulher talentosa impedida de exercer uma profissão enquanto a mesma profissão é permitida a todos os homens – mesmo os mais medíocres – significava que a sociedade perdia acesso a um serviço melhor. Ao mesmo tempo, o poder conferido aos maridos sobre as esposas pode despertar o que há de pior neles em termos de violência, tirania e mesquinhez.

Portanto, o aumento na quantidade de pessoas igualmente educadas resultaria no maior desenvolvimento intelectual de todos. Com a emancipação feminina, Mill e Taylor acreditavam que as mulheres seriam mais capazes de se conectar em um nível intelectual com seus maridos, melhorando, assim, os relacionamentos, além de suas próprias possibilidades.

Embora tenhamos evoluído no ocidente e, em termos legais, homens e mulheres tenham os mesmo direitos, no âmbito cultural ainda há muito o que avançar. As inúmeras denúncias de estupro, violência doméstica e assédio no trabalho preocupam e demonstram que a mentalidade de que mulheres são seres inferiores ainda persiste em muitos.

Por um lado, as questões ligadas à violência, somada à desigual divisão do trabalho doméstico e cuidado com os filhos, às diferentes escolhas de carreira e à consequente desigualdade salarial são frequentemente apontados por algumas feministas e simpatizantes como frutos do machismo que persiste na nossa sociedade. Por outro, há quem advogue que essas diferenças são fruto das peculiaridades da natureza de cada gênero que levaria a escolhas distintas de estilo de vida, não necessitando, portanto, de políticas afirmativas que setores do primeiro grupo costuma pregar, como cotas na política, no entretenimento e nos altos cargos nas empresas.

No livro, Mill – e, de certo modo, Harriet – também afirma que defender a liberdade das mulheres não significa criar condições especiais para elas, antes significa derrubar as proibições legais e culturais que as impedem de exercer suas escolhas livremente. Embora não trate diretamente de políticas afirmativas como as cotas, o autor nos sinaliza que criar políticas de proteção para que as mulheres atuem em determinados mercados não devem ser a saída para o preconceito que enfrentam. 

A partir desse raciocínio, o segundo ponto importante ao ler a obra é lembrar que as leis de cotas em profissões também atuam como uma forma de barreira. De um lado, nos cenários em que a escolha das mulheres foi livre e consciente, a defesa das cotas significa, para algumas, que elas fizeram uma má escolha ao preferir a vida doméstica ou não seguir carreiras de níveis mais altos, por exemplo. Nesses casos, algum outro indivíduo saberia o que é melhor para as mulheres mais do que elas mesmas? Por outro lado, essa regulamentação coloca as mulheres em uma posição de “café-com-leite”, na qual não competem a sério com os homens pelas mesmas posições e dificulta ainda mais a superação da mentalidade de que mulheres devem ser protegidas e tuteladas. Isto é, a medida seria contraprodutiva no que se pretende combater.

O segundo ponto importante é que as leis de cotas em profissões também atuam como uma forma de barreira. De um lado, nos cenários em que a escolha das mulheres foi livre e consciente, a defesa das cotas significa, para algumas, que elas fizeram uma má escolha ao preferir a vida doméstica ou não seguir carreiras de níveis mais altos, por exemplo. Nesses casos, algum outro indivíduo saberia o que é melhor para as mulheres mais do que elas mesmas? Por outro lado, essa regulamentação coloca as mulheres em uma posição de “café-com-leite”, na qual não competem a sério com os homens pelas mesmas posições e dificulta ainda mais a superação da mentalidade de que mulheres devem ser protegidas e tuteladas.

Então, seguindo o pensamento de John Stuart Mill e Harriet Taylor, o enriquecimento da sociedade e desenvolvimento dos indivíduos depende de que suas escolhas sejam verdadeiramente livres. Livres tanto de regras injustas quanto de tradições baseadas em preconceitos sem fundamento. É esta a lição que tanto faz falta nas discussões de nosso tempo.