A melancolia de um futuro não plantado

September 18, 2020

Em uma praça. Em um banco. Bengalas encostadas em árvores, acompanhadas de assuntos melancólicos resumidos em “No nosso tempo não era assim”. Uma frase que constantemente escutamos em conversas de gerações anteriores, abrangendo assuntos como sexualidade na adolescência, conteúdo na televisão, projetos arquitetônicos da cidade e, cada vez mais, sobre o próprio tempo. No vocabulário popular, diriam “No nosso tempo, o tempo não era assim”.

Em Porto Alegre, capital brasileira reconhecida por seu inverno rigoroso, a previsão do tempo pode apresentar uma variação de 3ºC até 30ºC em uma mesma semana em pleno inverno. Ainda falando no RS, recentemente uma nuvem de gafanhotos ameaçou invadir as colheitas do estado, como o profético apocalipse previsto em Joel 9.

Em São Paulo, a situação não é mais branda do que em solo gaúcho. Lá, os paulistas lidam com mudanças climáticas fatais, que condenam a vida de dezenas de pessoas ao longo dos últimos anos. A infraestrutura da cidade que contou historicamente com um forte investimento em solos impermeabilizantes, colocando o projeto de urbanização defronte com os ambientes naturais existentes, culminou numa vulnerabilidade espacial da capital, afetada principalmente pelas mudanças climáticas que elevaram à temperatura média e modificaram os ciclos hidrológicos no país.

Esses são os novos tempos. Maior período de secas, chuvas que, quando (e se) chegam, vêm de forma torrencial. Mudanças de temperatura cada vez mais abruptas. Ciclones e pragas também entram nessa fatura extensa que até pode ser parcelada, porém a dívida rola e, junto dela, os juros pelo descaso ambiental. A extensão de crédito acontece de forma seletiva. Em Porto Alegre os condôminos do bairro Moinhos de Vento, estão garantidos, enquanto os moradores do Morro da Polícia, pertencentes à uma zona de risco da cidade, pagarão à vista com os deslizamentos de terra e perda de seus pertences.

O tempo não é o mesmo. O estilo de roupas que foram usadas há 40 anos em determinadas estações, não fazem sentido serem usadas agora. Não apenas por moda, mas por uma questão climática. Devemos repensar urgentemente aquilo que consideramos como vida hoje, a não ser se quisermos, daqui há algumas décadas, estarmos sentados em uma praça, em um banco, repetindo a célebre e inerte frase de que no nosso tempo não era assim, enquanto nossos netos assistirão ao Blue, do filme “Rio” como nós assistimos um dia ao Sid, em “A Era do Gelo”.