Há 75 anos, perdíamos Anne Frank

March 10, 2020

“Logo depois das sete, fui dar bom dia à mamãe e papai, e, depois, corri à sala de estar para desembrulhar meus presentes. O primeiro que me saudou foi você, possivelmente o melhor de todos.”

Neste 12 de março completam-se 75 anos da precoce e trágica morte de uma das figuras mais emblemáticas do século XX, a doce e jovem Anne Frank.

Anne era uma garota como qualquer outra – no entanto, tinha um detalhe. Era judia na Europa durante a ascensão de Hitler e seu partido Nazista. Quando os protestos anti semitas começaram a ganhar força na Alemanha, os Frank se viram sem opção a não ser fugir do país. Viveram seis bons e pacatos anos em Amsterdã, à base dos ganhos de seu pai, Otto Frank, que possuía algumas empresas e bons rendimentos.

Anne nos mostra, em seu diário, que pôde brevemente desfrutar dos questionamentos, angústias e sabores que se tem durante a adolescência, mesmo que com as particularidades comuns de sua época. Uma delas, por exemplo, é o de Hello Silberberg, namoradinho de Anne, que contava os 16 anos, mesmo, à época, ela tendo apenas 13. Hoje, olhamos de maneira torta a um rapaz de malícia quase desenvolvida flertando com uma menina ainda na pureza do fim da infância. Mas, na época, era algo tão comum que podia se dizer que era a norma.

Não tardou até que os nazistas ocupassem a Holanda. A solução encontrada por Otto para escapar dos nazistas ao invés de se entregar, dado que sua filha mais velha, Margot, já havia sido notificada pela SS, foi esconder-se em compartimentos secretos dentro de um prédio comercial, juntamente a outra família.

Nesse período, vemos que a inocência da infância ainda tentava se impor em Anne, mesmo com todo o ambiente pressionando para que esse seu lado perecesse. Questionamentos mais profundos, dos quais nenhuma criança ou ser humano deveria ter na vida, faziam-se presentes e tomavam seu diário.

Em fevereiro de 1945, apenas alguns meses antes da libertação da Europa pelos Aliados, as duas famílias escondidas nos anexos secretos do prédio foram traídas. Anne e Margot foram transportadas para o campo de concentração de Bergen Belsen. Morreram de tifo. Das duas famílias, o único sobrevivente foi Otto, que regressou a Amsterdã, onde encontrou Miep Gies, mulher que no passado havia ajudado aos Frank. Gies havia guardado o diário de Anne, depois publicado pelo pai com certa dificuldade – e um pouco de censura das partes mais íntimas -, para estrondoso sucesso de vendas e altíssimo escrutínio público, tornando Anne o mais famoso mártir do Holocausto.

Os horrores do Holocausto geraram materiais e histórias infinitas que devem ser usadas para relembrar como é viver em um mundo sem liberdade – seja para um grupo específico, uma população, o mundo todo ou apenas uma simples garota. Podemos ler O Diário de Anne Frank com olhares de pesar, lamentando a tragédia que foi o extermínio judeu. Podemos, também, ler com olhares de aviso; de que ímpetos segregadores, totalitários e, em última instância, assassinos, não são exclusividades de um grupo, como foram os nazistas durante os anos 30-40 – mas, sim, de todos os seres humanos.

Não existem nazistas debaixo da cama – eles residem dentro de nós, e despertam antes mesmo que percebamos. Querer proibir, silenciar, cercear o outro. Sentir vontade de destruir o adversário. Sentir que pode determinar como o outro pode viver, sentir, o que comer, onde ir, o que fazer, o que pensar – uma vez com o portão aberto, deixamo-nos seduzir.

A verdadeira democracia, isto é, a ideia de que todos, independente de raça, etnia, classe social ou orientação sexual, podemos ter direito a direitos, nasce quando superamos os nossos instintos violentos mais profundos em nome da convivência em sociedade. Essa construção social é o que diferencia um grupo de seres humanos de uma alcateia de lobos. Sem ela, todos os abusos são permitidos e não existe a noção de direitos humanos. E sem Direitos Humanos não há liberdades.

Ideias como o Nazismo foram tão sedutoras ao povo alemão em sua época porque responderam aos anseios barbáricos de uma massa que se deixou levar pela própria brutalidade. Não foi o Nazismo que derrubou a democracia alemã – foi o povo alemão que se desinteressou em manter sua democracia. Hitler apenas estava no lugar errado, na hora errada, falando aquilo que a maioria queria ouvir.

Não nos deixemos seduzir pelo autoritarismo. Ele nos faz crer que um só líder ou instituição é capaz de traduzir e responder aos desejos de toda a população. Ele ignora a complexidade das relações humanas, em que cada ser humano possui suas particularidades, anseios, desejos, angústias e problemas. Como dizia Winston Churchill, com todas as suas imperfeições, “a democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais”. Pois é a única capaz de representar a maioria incluindo as minorias.

Lembremos de Anne Frank e suas graciosas memórias, guardadas com esmero em seu diário, como o símbolo de um tempo em que a liberdade de todos não era respeitada, pois a barbárie havia se instalado. Relembrar, sempre. Relativizar, nunca. Esquecer, jamais.

“O papel possui mais paciência do que os homens”.