Ditadura torturou crianças. Histórias não são ‘probleminhas’, como disse Bolsonaro

March 31, 2019

História

Carlos Alexandre Azevedo tinha 1 ano e 8 meses quando foi levado em 15 de janeiro de 1974. Na frente dos pais, foi torturado com choques elétricos por mais de 15 horas. Quando a casa onde estava com a babá foi invadida por agentes da repressão, o bebê não parou de chorar. Levou um soco de um agente. Refém do trauma, sofreu durante toda a vida com transtornos mentais. Morreu em 2013, tirando a própria vida aos 40 anos.

Os irmãos Nascimento tinham entre 2 e 9 anos no começo da década de 70. Ernesto, o mais novo, presenciou os pais sendo torturados pelo regime. Definidos pela ditadura como “pequenos elementos subversivos”, saíram da prisão direto para o exílio, onde viveram com a avó. Só puderam rever os pais em 1979, muitos anos depois.

Ana Lídia Braga, de 7 anos, foi sequestrada, torturada, estuprada, morta e enterrada completamente nua em Brasília, em setembro de 1973. A investigação foi abafada pelo governo militar quando a suspeita recaiu sobre pessoas influentes no alto escalão da ditadura, como filho do então Ministro da Justiça. A ditadura espalhou que tudo era mentira e uma grande boataria espalhada pelos “subversivos”, proibindo a imprensa de divulgar o caso. O processo foi arquivado sem avanços na investigação.

93 meninos, com idades entre 11 e 17 anos, foram presos e torturados pelo Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC) de São Paulo, em outubro de 1974. Os meninos, todos extremamente pobres, nunca foram formalmente acusados. Amontoados num ônibus, a cortinas fechadas, sem saber seu destino, foram agredidos por quilômetros até serem abandonados nus à beira de uma rodovia em Minas Gerais, no meio da madrugada, e dispersados com tiros. Desesperados e machucados, perdidos no meio do nada, acabaram acolhidos pela população da cidade mais próxima, Camanducaia. Três dias depois, foram recolhidos e mandados de volta para São Paulo, onde continuaram presos. O caso acabou arquivado na justiça. O único punido foi um escrivão, suspenso por 30 dias, acusado de ser o comandante da ação.

Em 27 de março de 2019, o presidente Jair Bolsonaro disse em entrevista que o regime militar teve apenas alguns “probleminhas”, depois de defender que nunca houve ditadura e determinar a comemoração do aniversário do golpe de 64 ao Ministério da Defesa.

Para Bolsonaro, Ana Lídia, Ernesto Nascimento, Carlos Azevedo, cada um dos 93 meninos – todos eles foram “apenas probleminhas” do regime.

O absurdo imensurável, a desumanidade, a tortura não podem ser minimizados. Não vamos aceitar que o sofrimento de cada uma dessas pessoas seja diminuído.

Ditadura nunca mais.