Um pequeno guia sobre Mark Twain

October 13, 2020

Artigo escrito por Jim Powell para o FEE.org e traduzido pelo OrdemLivre.

Ninguém expressou o individualismo natural dos americanos melhor do que Samuel Langhorne Clemens: Mark Twain. Isso pode surpreender os que pensam nele apenas como o autor de clássicos da literatura infantil, como The Aventures of Tom Sawyer [“As aventuras de Tom Sawyer”], The Adventures of Huckleberry Finn [“As aventuras de Huckleberry Finn”], The Prince and the Pauper [“O príncipe e o mendigo”], e A Connecticut Yankee in King Arthur’s Court [“Um ianque de Connecticut na corte do Rei Artur”]. Mas os adultos que retomarem esses livros rapidamente perceberão que eles afirmam o valor dos indivíduos.

Durante boa parte de sua vida, por ser um dos americanos vivos mais famosos, as opiniões de Mark Twain se tornavam notícia. Ele era amigo de Andrew Carnegie, o magnata da indústria de aço. Hellen Keller, que tinha uma cultura impressionante apesar de ser cega e surda, gostava da sua companhia. Mark Twain apresentou Winston S. Churchill, o futuro estadista inglês, aos americanos. Publicou uma biografia extremamente popular do General Ulysses S. Grant. O romancista inglês Rudyard Kipling considerava sua casa no norte de Nova York um lar. Mark Twain conheceu várias outras pessoas famosas: o empreendedor John D. Rockefeller, o biólogo Charles Darwin, o pintor James McNeill Whistler, o psicanalista Sigmund Freud, o rei da valsa Johann Strauss, o violinista Fritz Kreisler, o pianista Artur Schnabel, o escultor Auguste Rodin, os filósofos Ralph Waldo Emerson e Herbert Spencer, o dramaturgo George Bernard Shaw, os poetas Alfred Lord Tennyson e Henry Wadsworth Longfellow, os romancistas Henry James e Ivan Turgenev, os inventores Nikola Tesla e Thomas Edison (que gravou a voz do autor).

Embora não fosse um pensador sistemático, Mark Twain era um defensor constante da liberdade. Atacou a escravidão, apoiou os esforços dos negros, falou em defesa dos imigrantes proletários chineses que eram explorados pela polícia e pelos juízes, reconheceu que os índios americanos eram muito mal tratados, denunciou o anti-semitismo, defendeu o sufrágio feminino contra políticos poderosos, como Theodore Roosevelt, e liderou a oposição ao militarismo. Durante sua última década de vida, atuou como vice-presidente da Liga Anti-Imperialista. “Sou um moralista disfarçado”, escreveu, “o que me traz uma montanha de problemas”.

Ele partilhava do sonho capitalista. Especulava em ações de empresas de mineração e fundou uma editora. Atuou como investidor, com 50 mil dólares por ano para inventores – ele acreditava que ser inventor talvez fosse a maior das vocações humanas. No entanto, fracassou em todos esses empreendimentos, tendo sucesso financeiro apenas como escritor e palestrante.

Mark Twain forneceu um exemplo pessoal de auto-determinação. Desde o dia em que desistiu da escola, aos doze anos de idade, teve de contar consigo mesmo, trabalhando como assistente de pintor e de piloto de barco à vapor, editor e dono de editora. Passou quatro anos pagando dívidas de negócio em vez de se proteger por trás das leis de falência. Como escritor, sua espirituosidade lhe trouxe sucesso, sem precisar de verbas do governo ou cargos acadêmicos. Ele financiou suas longas viagens pelo exterior com seus trabalhos de escritor e palestrante freelance. Ao longo de sua vida, as pessoas compraram mais de um milhão de cópias dos seus livros.

Mark Twain apreciava o que chamava de “egoísmo ponderado”, que descrevia assim: “O primeiro dever de um homem é com sua própria honra e consciência – o dever com o país vem depois, e nunca em primeiro lugar… Não são partidos que salvam nações e as levam à grandeza, mas sim, os homens decentes, os cidadãos comuns decentes”.

Seu senso de humor afiado nos legou frases memoráveis. Por exemplo: “Qual é a diferença entre um taxidermista e um coletor de impostos? O primeiro leva apenas sua pele”. “Servidor público: pessoas escolhidas pelo povo para distribuir o roubo”. “Não existe nenhuma classe americana nativa claramente criminosa, com a exceção do congresso”. “No início, Deus fez os idiotas. Estava treinando para, depois, criar as diretorias das escolas”. “Na arte da política, é importante acertar na formalidade – e nunca se preocupar com a moralidade”.

Era fácil notar Mark Twain. Um estudioso escreveu que “aquele jovem rapaz do Missouri, que tem um longo bigode e chamativos cabelos ruivos, costumava trajar um longo sobretudo de linho que descia aos seus pés, e falava gesticulando tanto que as pessoas que não o conheciam pensavam que ele estava sempre bêbado”.

O público não apenas lia seus livros, como freqüentava suas palestras na Europa, na Ásia, na África e na Austrália. “Mark Twain rouba a cena sem a menor obtusidade ao subir no pódio”, escreveu um repórter em abril de 1896, “adequadamente vestido com roupas para tarde, com uma calça de bolsos altos, nos quais ocasionalmente enfias as mãos. Ele se curva com uma calma dignidade ao receber as ovações… Seus cabelos longos, brancos e embaraçados completavam o rosto cheio de fogo intelectual. Os olhos, arqueados por pesadas sobrancelhas, parecem projetar-se do seu rosto profundo, em um olhar genial, gentil e patético, em um rosto fortemente marcado pelas rugas acumuladas ao longo de uma existência de sessenta anos. Ele fala em frases breves, com um peculiar estalar dos lábios que marcam o fim de cada sentença. Seu estilo de falar é idêntico ao de seus livros, cheio do mais puro americanismo, transbordando de desprezo pela dicção polida da maioria dos palestrantes… Ele fala devagar, preguiçosamente, como se estivesse cansado, um homem prestes a adormecer, raramente erguendo a voz acima de um tom de conversa, mas sempre com um som nasal característico, que domina mesmo o maior dos ambientes… Ler Mark Twain é um deleite, mas vê-lo e ouvi-lo é uma alegria que não será prontamente esquecida”.

Samuel Langhorne Clemens nasceu no dia 30 de novembro de 1835, na cidade de Florida no Missouri. Era o quinto filho de Jane Lampton, uma mulher franca e sincera do Kentucky, que parece ter sido de quem Sam adquiriu seu senso de humor e compaixão. Seu pai, John, era um sombrio dono de loja, antes um advogado no Tennesse que perdera tudo especulando em terras e outros empreendimentos,.

Quando Sam tinha quatro anos de idade, a pobre família se mudou para Hannibal, uma cidade que ficava a trinta milhas dali e próxima ao rio Mississippi, onde alugaram alguns quartos em cima de uma farmácia. Durante os quatorzes anos que passou em Hannibal, Clemens adquiriu as experiências que inspirariam seus maiores clássicos, The Aventures of Tom Sawyer, The Adventures of Huckleberry Finn e Life on the Mississippi [“A vida no Mississipi”]. Embora ele tenha estudado em várias escolas antes dos treze anos, sua educação veio principalmente de sua mãe, que lhe ensinou a ler e a respeitar a humanidade das outras pessoas.

Pouco depois que John Clemens morreu, em 1847, Sam foi trabalhar como assistente de pintor, e durante a década seguinte trabalhou em gráficas de St. Louis, New York, Filadélfia e Cincinnati. Clemens, como Benjamin Franklin, educou-se lendo os livros das bibliotecas das gráficas. Ele adorava história e, quanto mais lia, mas se voltava contra a intolerância e tirania.

De volta a Hannibal, conseguiu um emprego como assistente de Horace Bixby, piloto de um barco a vapor, que o ensinou como navegar pelas cerca de mil e duzentas milhas do Mississippi River entre New Orleans e St. Louis. Durante os dezessete meses seguintes, Clemens se familiarizou com a forma do rio – sua aparência à noite e cercado de neblina. Mas a Guerra de Secessão abalou o comércio pelo Mississippi, frustrando seu projeto de tornar-se piloto. Em 1861, juntou-se a um grupo de voluntários do Mississippi conhecido como Marion Rangers. Mas, quando eles atiraram em um homem inocente que cavalgava desarmado, Clemens ficou decepcionado e saiu do grupo.

Clemens então se mudou para o território de Nevada, onde, depois de fracassar em sua tentativa de ficar rico encontrando prata, passou a escrever artigos cômicos sobre as minas para o Territorial Enterprise – o maior jornal de Nevada, publicado em Virginia City – , conseguindo um emprego de tempo integral. Inicialmente, seus artigos eram publicados sem sua assinatura. Então, ele concluiu que, para se tornar um sucesso literário, ele precisaria começar a assinar seus artigos. Os pseudônimos estavam em voga, e ele se lembrou dos seus dias no rio Mississippi e optou por “Mark Twain”, um termo que significava duas braças ou doze pés, o nível de água navegável para um barco a vapor. Seu primeiro artigo assinado foi publicado no dia 2 de fevereiro de 1863.

Foi em Virginia City que Mark Twain conheceu o popular humorista Artemus Ward, que fazia uma turnê de palestras. Seu sucesso comercial inspirou Mark Twain a pensar em como ele poderia fazer carreira com sua espirituosidade, e Ward o incentivou a entrar no grande mercado de Nova York. Inseguro quanto a seu futuro, escreveu ao irmão e à irmã em outubro de 1865: “Só tive duas fortes ambições em minha vida. Uma era me tornar piloto, e a outra, pregar o evangelho. Tive sucesso na primeira, mas falhei na segunda, por não conseguir me abastecer com o material necessário para a profissão – isto é, a religião… Fui então chamado a uma literatura de ordem mais baixa – a humorística. Não é nada do que se orgulhar, mas é meu maior talento”.

Depois que as ações de empresas de mineração de prata que ele comprara perderam todo o valor, decidiu concentrar-se nos escritos de humor, passando a enviar artigos para a Californian, uma revista literária semanal editada pelo humorista Bret Harte. No ano seguinte, sua história “The Celebrated Jumping Frog of Calaveras County” [“O célebre sapo que pulava do Condado de Calaveras”] foi publicada no New York Saturday Press. Assim que várias outras publicações reproduziram o conto, ele subitamente ganhou uma reputação nacional como o “humorista louco de Pacific Slope”. O Sacramento Union o contratou para ser seu correspondente no Havaí, o que ele logo aceitou, passando a escrever quatro matérias por mês e recebendo 20 dólares por cada uma delas. Teve a idéia de dar palestras públicas sobre suas experiência no Havaí e alugou uma sala de conferências em San Francisco a partir do dia 2 de outubro de 1866. Ao longo das três semanas seguintes, ganhou 1500 dólares – o que era muito mais do que ganhava escrevendo.

Sempre atento a oportunidades, Mark Twain notou o anúncio do primeiro cruzeiro transatlântico de lazer, uma excursão de sete meses pela Terra Santa, marcado para partir em junho de 1867. Ele gastou quase todos seus 1,250 dólares de lucro com as palestras em uma passagem, e ganhou dinheiro escrevendo sobre suas experiências a bordo para o San Francisco Daily Alta California – 50 cartas de viagem de 2000 palavras, vendidas por 20 dólares cada. Também escreveu cartas de viagem para o New York Tribune e para o New York Herald sobre sua viagem ao Gilbratar e suas aventuras em Tangier, Paris, Gênova, Florença, Roma, Nápoles, Constantinopla, Palestina e o Mar Negro.

A bordo do Quaker City, conheceu um dos passageiros, Charles Langdon, o filho de dezoito anos de idade de um magnata da indústria de carvão de Elmira, Nova York. Langdon mostrou a Clemens uma foto de sua irmã, Olivia (os amigos a chamavam de Livy). Clemens ficou impressionado e, logo depois que o navio retornou a Nova York, Langdon o apresentou a ela. Na véspera de ano-novo em 1867, Clemens se juntou a Livy e ao resto da família para ouvir Charles Dickens recitar trechos de seus romances. Naquela tarde, Clemens observaria depois, referindo-se a Livy, que descobrira “a fortuna da minha vida”.

Então Mark Twain começou a trabalhar em Innocents Abroad [“Inocentes no estrangeiro”], um livro repleto de observações sarcásticas sobre as pessoas e lugares que conhecera. Eis o que tinha a dizer, por exemplo, sobre o Marrocos: “Quando o imperador de Bashaw queria dinheiro, arrecadavam-no de um homem rico que teria de fornecê-lo todo ou ir para a prisão. Assim, poucos homens no Marrocos ousam ser ricos”. Innocents Abroad se tornou um best-seller, com mais de cem mil cópias impressas em menos de um ano.

Mark Twain e Livy se casaram em Quarry Farm, a propriedade dos pais dela, no dia 2 de fevereiro de 1870. Ela foi a única mulher que ele amou. Formavam um par improvável. Estritamente vitoriana, ela reprovava bebidas alcólicas, cigarro e palavrões – vícios que ele adorava. (Ele apenas lhe prometera não fumar mais do que um cigarro de cada vez). Mas ele amava seu enorme entusiasmo e seus modos sinceros e revigorantes. Ela o chamava de “juventude”.

Livy se tornou sua editora de confiança, dando sua opinião sobre os temas que interessariam aos leitores e lendo praticamente todos seus rascunhos e sugerindo mudanças. Ela também dava conselhos sobre assuntos para as palestras. “A senhora Clemens”, observou, “impediu que muitas coisas fossem impressas que me dariam uma reputação que não eu queria ter e não tinha o cuidado suficiente de evitar”.

Roughing It “Vivendo basicamente”, um espirituoso relato das viagens de Mark Twain pela Nevada pelo norte da Califórnia, aumentou sua reputação. Nele, entre outras coisas, ele derramava louvores sobre os oprimidos imigrantes chineses: eles “são calmos, pacíficos, polidos, sóbrios, e são extremamente trabalhadores… todos os chineses conseguem ler, escrever e fazer contas com grande facilidade”.

Enquanto isso, em 1971, a família se mudou para Hartford, em Connecticut, um centro comercial e cultural da Nova Inglaterra que ficava a meio caminho entre Boston e Nova York. Eles permaneceram em Hartford por mais de dezessete anos, o período no qual Mark Twain escreveu seus livros mais famosos. Colaborou com um vizinho, Charles Dudley Warner, na produção do seu primeiro trabalho de ficção: The Gilded Age “A era de ouro”. Entre suas contribuições, estava essa perspicaz passagem: “Se você for um parlamentar (sem ofensas), e um dos seus constituintes que não sabe de nada, não se dá o trabalho de aprender nada, não tem emprego, não tem dinheiro e não pode se sustentar, vem pedir-lhe sua ajuda…. leve-o para… Washington, o velho e benevolente asilo para os incapazes”.

Em 1874, Clemens construíra uma eclética mansão de três andares e dezenove quartos, feita com tijolos vermelhos, que refletia seu sucesso e sua individualidade. Parte dela se parecia com a casa de um piloto de um barco a vapor do Mississippi. Clemens passava a maior parte do seu tempo jogando sinuca e brincando com suas filhas, Susy, Clara e Jean (seu filho Langdon morreu na infância). “Papai começava a contar uma história a partir das pinturas da parede”, lembrava Clara, “e, passando de pintura para pintura, sua imaginação nos levava para países e para o meio de figuras humanas que nos fascinavam”.

A família veraneava em Quarry Farm, onde ele se concentrava na escrita dos seus livros. O sucesso de Roughing It lhe sugerira que talvez lhe fosse proveitoso usar outras experiências pessoais, e ele se voltou para seus dias de infância em Hannibal, Missouri. Seu hábito era o de começar a escrever depois do café da manhã e continuar até o jantar – ele raramente almoçava. À noite, de volta à sala principal da casa, sua família se reunia a seu redor, e ele lia o que tinha escrito.

Em 1875, aos quarenta anos, começou seu segundo romance, The Adventures of Tom Sawyer, que tratava de um pobre garoto órfão que entrava em encrencas e se redimia por ser trabalhador, honesto e, por vezes, corajoso. O livro, que apresentava o amigo de Tom, Huckleberry Finn, é lembrado como uma encantadora história de bons tempos de juventude em um verão.

Logo Mark Twain começou a trabalhar na sua obra-prima, The Adventures of Huckleberry Finn, que seria publicada apenas em 1885. Ao contrário de Tom Sawyer, esta tinha a intimidade de uma história narrada em primeira pessoa. Em seu peculiar estilo coloquial, o pobre e quase-iletrado garoto de quatorze anos, filho do bêbado da cidade, narrava como escapava para encontrar o escravo fugitivo, Jim. Juntos, eles navegavam pelo rio Mississippi em uma jangada e se metiam em confusões. Como outros sulistas, Huck considerava os escravos negros sub-humanos, chegando a escrever ao dono de Jim uma carta denunciando sua fuga, mas, percebendo a humanidade de Jim, ele finalmente decide que prefere ir ao inferno a traí-lo, e rasga a carta.

Muitos consideravam o livro medíocre. Muitas bibliotecas o baniram, considerando-o racista – a palavra ‘nigger’ aparece 189 vezes. Mas ele se tornou um clássico por mostrar pessoas de verdade lidando com questões como humanidade e liberdade. Huckleberry Finn terminou por vender cerca de vinte milhões de cópias.

Mark Twain tentou promover leituras públicas de seus livros, mas os resultados iniciais foram desanimadores. “Eu achava que bastava imitar Dickens”, ele disse, “subir na plataforma e ler o livro. Mas tentei fazer isso e foi um fracasso. Coisas escritas não servem para discursos”. Ele então desenvolveu seu estilo próprio e divertido de dar palestras como se estivesse conversando.

Clemens poderia ter gozado de tranqüilidade financeira, mas investiu tanto seus rendimentos quanto a herança de sua esposa em invenções e outros empreendimentos que nunca decolaram. Seu investimento em um novo tipo de impressora gerou um prejuízo de 190.000 dólares. Incrivelmente, fracassou até como editor dos seus próprios livros populares. Em 1894, sua empresa foi à falência com 94.000 dólares de dívidas para noventa e seis credores. Ele assumiu responsabilidade pessoalmente, em vez de se proteger nas leis de falência, e recebeu uma ajuda inestimável de um amigo, Henry Rogers, sócio de John D. Rockfeller, que daquele momento até sua morte, em 1909, administrou as finanças do autor. Clemens decidiu pagar seus credores gerando dinheiro com mais palestras. Ele, Livy e sua filha Clara começaram uma intensa viagem através do país. As salas de conferência estavam lotadas. Então, a família viajou para a Austrália, Tasmânia, Nova Zelândia, Índia, África do Sul e Inglaterra, e onde ele ia encontrava platéias entusiasmadas. “Demos palestras, pilhamos e invadimos por trezes meses”, ele comentou. Quando chegou, em janeiro de 1898, ele estava livre das dívidas.

Mark Twain louvou o empreendedorismo individual e se posicionou contra as injustiças onde quer que as encontrasse. Convenceu Rogers a ajudar a arrecadar o dinheiro para que Helen Keller tivesse uma educação correspondente às suas extraordinárias capacidades e presidiu uma reunião de apoio a Booker T. Washington e a auto-ajuda entre os negros. Enquanto morou em Vienna (1897-1900), desafiou a imprensa anti-semita e defendeu o capitão francês Alfred Dreyfus, que as cortes militares tinham condenado por traição por ser judeu.

Quando estava dando palestras na Inglaterra em 1894, sua filha morreu de meningite. Livy, sua esposa por 34 anos, sucumbiu por conta de um problema cardíaco em 1904. “Durante os anos que se seguiram à morte da minha esposa”, escreveu, “eu mergulhei em uma triste maré de banquetes e discursos sobre causas elevadas e santas; mas enquanto essas coisas me animavam e alimentavam intelectualmente, elas tocavam apenas momentaneamente meu coração, que então ficava seco e empoeirado”.

Nessa época, ele aumentou significativamente sua produção de comentários políticos. Atacou as populares doutrinas coletivistas dos pensadores “progressistas” que pediam mais leis, burocratas e aventuras militares. Como Lord Acton, Mark Twain exigia que a classe política fosse julgada pelos mesmos padrões que os indivíduos privados. Sua sátira “War Prayer” [“Prece de guerra”] se tornou o hino daqueles que queriam manter os Estados Unidos longe de guerras estrangeiras.

Depois da morte da sua filha Jean, em dezembro de 1909, resultado de um ataque epilético, Clemens tentou reanimar seu espírito em Bermuda. Mas os ataques de angina, que tinham começado no ano anterior, ficaram mais intensos e freqüentes. Os médicos administraram morfina para aliviar a dor, e ele embarcou em sua última viagem de volta para casa. Ele descansava lendo A History of England [“Uma história da Inglaterra”], do libertário Thomas Babington Macaulay. Clemens morreu em Stormfield, sua casa em Redding, Connecticut, em uma quinta de manhã, no dia 21 de abril de 1910. Milhares de pessoas de luto foram vê-lo pela última vez, em seu terno branco, na Brick Presbyterian Church em Nova York. Foi enterrado ao lado de sua esposa em Elmira, Nova York.

Na época da sua morte, Mark Twain não estava afinado com seu tempo. Progressistas e marxistas certamente não gostavam de seu individualismo. Clara, sua filha, e Albert Bigelow Paine, seu biógrafo autorizado, impediram o acesso a seus arquivos. Somente o crítico literário H. L. Mencken o defendeu, considerando-o “o primeiro artista genuinamente americano de sangue real”.

A situação começou a mudar em 1962, quando Walter Blair, respeitado professor da University of Chicago, escreveu Mark Twain and Huck Finn, que tratava o épico do autor do rio Mississippi como alta literatura. Antes do livro de Blair, The Adventures of Huckleberry Finn raramente aparecia nos currículos das universidades. Hoje, é amplamente lido.

Também em 1962, Clara Clemens Samossaud morreu, e os arquivos de Mark Twain – cartas, discursos, manuscritos originais e obras inéditas – passaram para a propriedade da University of California em Berkeley, o que encorajou novos escritores a trabalhar com o material e, desde então, dúzias de novos livros sobre Mark Twain apareceram. Além do mais, editores de Berkeley lançaram um ambicioso projeto acadêmico de publicar tudo que Mark Twain escreveu, incluindo textos que estavam sob a posse de indivíduos privados e outras instituições. Robert Hirst, diretor do Projeto Mark Twain, estima que os textos acabarão por preencher setenta e cinco grossos volumes.

Mark Twain tem sido criticado pela turma politicamente correta, mas permanece como um dos mais amados campeões do individualismo americano. Ao contrário de tantos dos seus contemporâneos, ele não acreditava que os Estados Unidos eram uma extensão da Europa. Celebrava o país como uma civilização distinta e defendia a liberdade e a justiça firmemente, e também promovia a paz. Retratava espíritos livres, determinados, rústicos, que superavam obstáculos intimidadores para realizar seus destinos. Seu charme pessoal e seu humor afiado ainda fazem as pessoas sorrir.