Um pequeno guia sobre Anísio Teixeira

April 28, 2022

Os debates sobre educação sempre fizeram parte da filosofia liberal. Ainda hoje há uma grande presença dos liberais nessa área, buscando a construção de redes de ensino com alto nível de autonomia, descentralização e flexibilidade. No Brasil, em específico, há quem defenda isso desde o começo do século passado: Anísio Teixeira.

O educador, gestor público e filósofo educacional Anísio Teixeira é um dos maiores nomes da educação brasileira. O liberal esteve envolvido em debates e iniciativas que causaram grande impacto nos rumos das nossas políticas educacionais. Graças a ele, aliás, conseguimos estruturar o que há de melhor nas nossas diretrizes educacionais modernas.

Se você quer saber mais sobre o tema e entender como a ação de Anísio Teixeira deve ser orgulho de todo liberal brasileiro, continue a leitura do texto a seguir!

Uma vida dedicada à educação pública

Anísio Teixeira foi um dos grandes nomes que esteve presente nos debates sobre a educação brasileira durante os meados do século XX. Filho de fazendeiros baianos, Anísio formou-se em Direito e, com apenas 24 anos, assumiu o cargo de inspetor geral de ensino em Salvador. Pouco depois, no final da década de 1920, foi para a Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos, cursar mestrado e conhecer a obra do educador John Dewey.

De volta ao Brasil e sob a influência de Dewey, Anísio uniu-se a outros educadores e fundou a Associação Brasileira de Educação, a Educação Nova. O grupo tinha como objetivo defender um sistema educacional que não fosse perpetuador de privilégios e que conseguisse auxiliar na construção de uma sociedade em que a cidadania fosse acessível a todos. Dentro do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, Anísio colocou-se a favor de um ensino laico, gratuito, obrigatório e público – um ideário que guiaria todos os debates em que fez parte até o último ano de sua vida.

Quando esteve no poder público, Anísio Teixeira trabalhou pela construção de escolas nos moldes do Manifesto no Rio de Janeiro, em Brasília e em Bahia. No ensino superior, ajudou a fundar a Universidade de Brasília (UnB), incorporando os saberes da extinta Universidade do Distrito Federal (UDF): inovação, o fim das cátedras, autonomia para os professores e liberdade educacional eram temas inovadores para a época, mas que foram replicados em toda a rede de ensino federal com o passar dos anos.

Apesar de sempre mover-se pelos seus princípios – e não por questões partidárias – Anísio foi alvo de perseguições políticas ao longo de toda a sua carreira. Sua vida se encerrou enquanto postulava uma candidatura à Academia Brasileira de Letras. Após visitar Sergio Buarque de Holanda, o educador desapareceu, sendo encontrado dias depois no poço do elevador do prédio do historiador, em condições que muitos apontam como semelhantes à de um crime político.

Um modelo de gestão educacional orientado pela paixão pela democracia

A proposta educacional de Anísio Teixeira foi moldada por dois grandes fatores. O primeiro foi a influência das suas leituras de John Dewey, filósofo educacional liberal que ele conheceu quando esteve nos Estados Unidos durante a sua pós-graduação. O segundo foi resultado de uma profunda análise do contexto educacional brasileiro, que foi o seu objeto de pesquisa ao longo de toda a sua vida.

Como resultado, Anísio era contra um sistema educacional (público e privado) que se moldasse à formação de uma elite e mantivesse grande parte da população em estado de analfabetismo e ignorância. Para ele, chegar à vida adulta com os conhecimentos necessários para decidir o seu destino era um direito de todos, além de ser um passo básico para o Brasil se tornar um país realmente democrático. Portanto, era fundamental estruturar uma rede de ensino organizada em torno de um currículo que garantisse à juventude a capacidade de fortalecer e construir a civilização brasileira.

Era um modelo descentralizado, que dava autonomia aos professores e gestores educacionais e incentivava o professor a compreender as demandas de seus alunos e identificar o melhor caminho para ensinar o currículo comum à toda nação. Em outras palavras, a proposta de Anísio encontra, até hoje, vínculo aos projetos educacionais do liberalismo contemporâneo por compreender que uma educação centralizada em Brasília é incapaz de garantir que todos sejam senhores de seu próprio destino. Em um país continental, o melhor sistema educacional é sempre o que consegue alinhar os grandes conhecimentos da humanidade com as especificidades locais.

Atuando como gestor público, Anísio promoveu reformas em busca da ampliação das redes de ensino integral. Na Escola-Parque, por exemplo, os alunos tinham acesso à alimentação, higiene, espaço de socialização e todos os conhecimentos das artes, dos números e das letras. Isso só foi possível pois Anísio teve a liberdade de estruturar uma instituição de ensino orientada pela visão de que a educação deve preparar pessoas para o trabalho e para a cidadania independentemente da quantidade de dinheiro presente no bolso de cada aluno.

O vínculo de Anísio com os liberais de hoje (e os de seu tempo) encontrou resistência durante o debate da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ao longo da década de 1950. A polêmica, que fez Anísio ser chamado de comunista, se deu após ele colocar-se ao lado de Darcy Ribeiro e contra Carlos Lacerda em jornais, revistas e na própria Assembleia Legislativa. Lacerda desejava abrir espaço para que a educação privada deixasse de ser apenas estatal, enquanto Anísio via essa ideia como uma grande ameaça à luta por uma educação menos elitizada.

Apesar de ter vencido esta batalha, Anísio não deixou de ver a aprovação da LDB com críticas. O projeto aprovado era incapaz de atender por completo às demandas de um país moderno e poderia comprometer a capacidade de desenvolvermos um sistema público educacional descentralizado e diversificado. Anísio sabia que um governo federal forte, apoiado em uma máquina administrativa com muitos recursos, era capaz de barrar mudanças que acabassem com a ideia de “escola de rico” e “escola de pobre”.

Um legado que se mantém atual

Dois pontos recorrentes nos debates entre liberais são a diversidade do pensamento liberal e as dificuldades que os liberais brasileiros enfrentaram para construir um Brasil que fosse uma democracia-liberal de cidadania ampla. De questões estruturais, como os efeitos do escravismo e do mandonismo na nossa cultura política, às diferenças de projetos entre os próprios liberais, que muitas vezes impediram a consolidação de avanços, muitos foram os dilemas que cercam a nossa história. Anísio Teixeira, neste contexto, não foge à regra.

Anísio Teixeira foi um educador movido pelo profundo desejo de garantir que o Brasil tivesse um sistema educacional público capaz de dar a todos os brasileiros a cidadania necessária para garantir que ninguém fosse vítima da loteria da vida. Ele sabia que era uma luta difícil e que, em muitos momentos, o colocaria em confronto com os seus pares. Ainda assim, é uma luta que pode encontrar sintonia com todos os liberais brasileiros contemporâneos, mesmo aqueles que buscam um modelo de educação que seja público, mas não necessariamente estatal.

Anísio foi pioneiro na luta por um sistema educacional descentralizado, com formação integral e focada nas demandas dos alunos. Sabia que os diretores e professores deveriam ter a autonomia para se adaptarem a cada contexto local e, principalmente, modernizarem as suas estratégias conforme fosse necessário. Vemos reflexos da sua iniciativa, hoje, no Instituto Nacional de Estudos Pedagógico, nas linhas pequenas da Base Nacional Comum Curricular e no Projeto Político Pedagógico.

Ainda há muito o que ser feito pelos liberais que batalham por uma educação de qualidade e que seja capaz de formar cidadãos completos. O Brasil não conseguiu universalizar o acesso ao sistema de ensino para todos os jovens e a busca por educação integral tornou-se política de estado há poucos anos. A busca por esses objetivos, porém, deve ser feita considerando as lições do passado e, como sempre, fazendo justiça a quem foi pioneiro na busca por um país que desse para os moradores dos subúrbios, um ensino que fosse tão bom quanto o que era dado aos moradores dos bairros da zona sul.