Todo liberal almeja desenvolvimento

January 5, 2023

Importante fazer uma análise crítica da história democrática recente, para que erros sejam evitados e acertos sejam replicados

Há uma falsa dicotomia entre o que desejam os chamados economistas “liberais” (fiscalistas, monetaristas ou ortodoxos) e os “desenvolvimentistas” (heterodoxos). Não há economista que não almeje crescimento, desenvolvimento, além de justiça social. A diferença entre eles não está no fato de um grupo querer desenvolvimento e o outro não, mas na divergência de diagnósticos acerca dos problemas econômicos e na escolha do melhor desenho de políticas que estimulem o desenvolvimento econômico e social. Para os “não economistas”, destarte, o rótulo mais atrapalha do que ajuda, pois o nome (desenvolvimentista) dá a errônea impressão de que um liberal não ambiciona desenvolvimento. Para dirimir esta falsa imagem, escrevo este texto.

Evaldo Santana (Valor, 28/12/22, pag. A11) lembra que no final dos anos 80, pós ditatura, rotulava-se o desenvolvimentista como um economista do bem e em prol dos anseios da sociedade, se contrapondo ao liberal, supostamente do mal e egoísta. O dístico desfavorecia o primeiro grupo, especialmente na sua comunicação com a sociedade, o que ocorre até hoje. Neste sentido, vale a pena ler o livro “Não pense em um elefante”, cujo autor, um jornalista americano, mostrava como os democratas eram bons em rótulos para se comunicar com a sociedade, em contraponto aos republicanos, que não sabiam fazê-lo. No título do livro, você pensou em um elefante?

Samuel Pessoa (cap 8 do livro “Sociedade e Economia: estratégias de crescimento e desenvolvimento) analisa as divergências destes dois grupos. Ele descreve, por exemplo, como a explicação para as causas do desenvolvimento do Japão, Coreia do Sul, Taiwan, China e Cingapura divergem entre os dois grupos. Desenvolvimentistas enfatizam que tenham sido a proteção comercial e subsídios a empresas. Liberais defendem que tenham sido a formação de capital humano, a segurança jurídica e a liberdade de mercado, além de lembrarem que nessas economias, em função da inexistência de um estado de bem-estar social, as famílias apresentavam elevadíssima taxa de poupança, o que contribuiu para que os juros de equilíbrio fossem baixos.

Adicionalmente, os liberais entendem que há viés de seleção. De fato, inúmeros outros países, de todos os continentes – sul-americanos, africanas, do leste europeu e Ásia –, que seguiram as mesmas políticas que os desenvolvimentistas indicavam como sendo os fatores de sucesso para o grupo de países ora mencionado, não tiveram o mesmo êxito. Para os liberais, a justificativa do triunfo daqueles países não está nas políticas indicadas pelos desenvolvimentistas, mas em políticas não realizadas pelos demais países, que, para os liberais, seriam os principais alavancas para o desenvolvimento econômico de uma nação.

Sendo um pouco injusta, mas dado o pouco espaço para explicar ao leitor tais diferenças, o grupo desenvolvimentista no Brasil tem como principais escolas a Unicamp e a UFRJ, enquanto os liberais têm a PUC-Rio, a EPGE/FGV-Rio e o Insper. Além disso, os primeiros são mais ligados aos políticos do PT, enquanto os segundos, aos do PSDB. É por isso que no governo FHC havia economistas da PUC-Rio, que implementaram o Plano Real (debelando de vez com a hiperinflação de mais de 1000%a.a.), o Tripé Macroeconômico e a Lei de Responsabilidade Fiscal; enquanto no governo Lula/Dilma, havia economistas da Unicamp, que implementaram a Nova Matriz Macroeconômica (acabando com o Tripé), a alteração do marco regulatório do petróleo, a redução da tarifa de energia elétrica (mesmo com escassez de oferta) e a política externa de financiar infraestrutura em Cuba, Venezuela e África, além da política das campeãs nacionais. Não deixam de ser, portanto, políticas relativas a diferentes visões (ideológicas) de mundo.

De maneira resumida, há duas formas de discordâncias entre estes grupos. A primeira, refere-se à teoria positiva, em que a pergunta é: qual seria o diagnóstico acerca de um fenômeno econômico (ex: a inflação de 2021), logo, qual seria o melhor modelo teórico/metodologia/interpretação dos dados para explicá-lo? A segunda, concerne à teoria normativa, em que se questiona, ainda que o diagnóstico seja o mesmo entre ditos grupos, qual seria a melhor forma de tratar o problema. Por exemplo, ambos têm o diagnóstico da desindustrialização, mas um grupo sugere que a desvalorização cambial resolverá o problema enquanto o outro opina que a baixa produtividade e a baixa taxa doméstica de poupança são os cernes da questão.

Para os liberais, para implementar políticas que solucionem as injustiças sociais ou que fomentem o desenvolvimento econômico (com gastos em capital humano e físico), é necessário ter instrumentos que garantam contas públicas ordenadas e que haja dinheiro no caixa. A dinâmica da dívida pública (com relação ao PIB) é a referência essencial para tratar do tema da solvência, a inflação é um “imposto” especialmente ruim para os pobres e os preços (câmbio, juros e inflação) são variáveis endógenas, refletindo políticas monetárias e fiscais adotadas. Para este grupo, não adianta querer fazer o bem. Tem que poder (ter as condições) levar a cabo o que se quer. Mais do que a retórica de que o Estado deve focar no vulnerável ou investir em infraestrutura, desta forma, há que ter planejamento orçamentário e financeiro para abrir as condições reais para que se possa gastar com e para a sociedade. É por isso que “responsabilidade fiscal e social são unha e carne”.

As “boas políticas” para este grupo nem sempre são populares e em geral buscam a desburocratização, a institucionalização de processos, a privatização de empresas públicas (pois, sem nomeações políticas e com maior foco na eficiência, o setor privado pode oferecer mais a sociedade, com maior qualidade e a um preço mais acessível), permitindo que o caixa do governo priorize políticas típicas de estado, como: prover com excelência educação, saúde, segurança pública e regular monopólios naturais e bens públicos. Com um estado menor, pode-se diminuir a carga tributária (hoje no Brasil em 35% do PIB, a maior entre seus pares de média renda), o que estimula o investimento privado, e, consequentemente, o crescimento e o desenvolvimento.

Além disso, este grupo advoga pela liberdade dos preços e que o custo de oportunidade deve ser sempre considerado. Taxa de juros, por exemplo, deve ser instrumento do banco central para levar a inflação a uma determinada meta. Já os preços da Petrobras, devem ter o preço internacional como balizador. Ademais, este acredita que quanto mais as políticas fiscal e monetária estiverem em sintonia, melhor para ter inflação na meta e crescimento/desenvolvimento maiores.

Por fim, os liberais têm valores, como: a garantia do direito de propriedade, a necessidade do contínuo fortalecimento das instituições, a existência de livre imprensa, o estímulo a concorrência justa, a abertura comercial parcimoniosa, a busca por um nível de tributação menor (25% do PIB, como a de países similares ao Brasil) e ao fomento da educação formal de qualidade (qualificação) desde a primeira infância. Estes, por conseguinte, são alguns outros princípios liberais, que fazem parte quando da formulação de um amplo pacote de políticas para promover os incentivos corretos, que resultarão no aumento da produtividade, do crescimento e do desenvolvimento econômico. Concomitantemente a este conjunto de políticas estruturantes no campo econômico, políticas sociais emergenciais (“quem tem fome tem pressa”) e de longo prazo devem ser implementadas, como forma de gerar maior justiça social e menor dispersão na distribuição de renda. Em outras palavras, um liberal é fanático por desenvolvimento econômico e social!

Na visão dos desenvolvimentistas, por sua vez, o gasto público é um dos focos principais de sua linha de ação, uma vez que este, em tese, fomentaria o emprego e a renda, logo crescimento e desenvolvimento, mesmo gerando alguma inflação (vide crise a 2015/2016). Isto porque este grupo entende (visão Keynesiana) que a economia funciona permanentemente abaixo do pleno emprego (em contraponto aos liberais, que têm como hipótese o pleno emprego e a escassez, onde escolhas precisam ser feitas, sendo os desejos infinitos e os recursos limitados). Estímulos econômicos, assim, são os principais indutores de desenvolvimento econômico.

Mais ainda: eles propõe políticas de substituição de importação, de proteção da indústria nacional e de câmbio desvalorizado, uma vez que estas seriam as formas de promover a industrialização – que, na visão liberal, podem onerar os consumidores brasileiros e/ou impor às empresas perda de competitividade (ao majorar o valor dos insumos). Este grupo também entende que políticas parafiscais (como empréstimos do BNDES a taxas subsidiadas a empresas de grande porte) são salutares ao desenvolvimento e refutam que este fato dificulte o trabalho do banco central, que, como argumentam os liberais, precisa, por isso, aumentar ainda mais a taxa de juros para levar a inflação à meta.

Também é um grupo menos preocupado com o grau de endividamento do estado e que critica o mercado financeiro, em particular o especulador (aquele que pode ganhar muito ou perder tudo), que, em geral, gera sinais indispensáveis ao bom funcionamento da economia. Por isso é comum ver alguns deles criticarem os bancos, supostamente reduto de especuladores, como se estes fossem os culpados pelo elevado custo da dívida pública, sendo que eles representam menos de 30% da compra da dívida pública mobiliária federal. Os outros 70% tem como compradores fundos de investimentos ou pensões, previdência privada e tesouro direto (composto por pequenos investidores).

Recentemente, por duas pesquisas realizadas, uma pelo O Globo (24/12/22) e outra pela Veja (de 14/12/22, pgs. 40-43), observa-se que o Brasil de 2023 é distinto daquele dos anos 2000. A população está mais crítica com os gestores públicos e com o papel do estado. Ela deseja melhores serviços públicos (onde privatização é um meio anelado), menor intervenção estatal, menor tributação, menor inflação, menor taxa de juros, uma gestão fiscal austera, inclusive com teto de gastos, e uma menor máquina pública (com gasto público otimizado e com servidores cada vez mais produtivos, lembrando que os trabalhadores do setor privado podem ser demitidos, não têm aposentadoria garantida e sua renda média é de R$2,5 mil).

Como o PT toma posse em 01/jan/2023 com economistas da linha desenvolvimentista; como houve políticas desenvolvimentistas com resultados controversos para o crescimento e desenvolvimento econômico (registrado no livro “Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil”, organizado por Marcos Mendes); e como as demandas sociais de 2023 parecem estar mais alinhadas aos princípios liberais; importante fazer uma análise critica da história democrática recente, para que erros sejam evitados e acertos sejam replicados. Afinal, o Brasil tem tudo para crescer e se desenvolver com justiça social. É o desejo de todos nós, brasileiros, economistas (liberais ou desenvolvimentistas) e não-economistas.

Artigo originalmente publicado no JOTA. Leia original aqui.