Só sei que nada sabemos

May 11, 2020

Coronavírus

Esse artigo foi originalmente publicado no Estadão. Leia na íntegra aqui.

Nesta pandemia, a única certeza que temos é a incerteza. Tirando a invasão de tudólogos nas redes sociais, que falam sobre tudo, como se tudo soubessem, o sentimento geral é de angústia.

Retrato da incerteza é a certeza que o pico da doença será na semana que vem, ou, quem sabe, na próxima.

Dizem que sairemos desta crise uma sociedade mais ética, mais solidária.

Para mim, é só um voto de esperança. As injustiças sociais foram expostas. Sempre estiveram ali, ao alcance dos olhos, na superfície. Era o antigo normal. Isso vai mudar? Tenho minhas dúvidas. Acho que vamos sair desta epidemia ainda mais desiguais.

O vírus, que começou nas classes altas, ao chegar nas comunidades gerou índices de letalidade tão assustadores quanto previsíveis. O confinamento aumentou os indicadores de violência doméstica, e o acesso desigual à educação a distância afetará ainda mais uma geração de crianças que já nascem com oportunidades de pleno desenvolvimento muito limitadas. Tudo que o governo fez por eles foi a transferência de R$ 600, sem poupá-los das filas e de aplicativos que não funcionam, tornando ainda mais angustiante o dia a dia dos que dela precisam para comer. Com a falta de empatia que caracteriza o governo, o presidente da Caixa diz que a realidade é essa mesma, e o secretário da Fazenda do governo Bolsonaro se apressa em dizer que não há previsão para a extensão da ajuda de três meses, quando a primeira parcela mal conseguiram pagar.

Quem busca no governo alguma esperança e orientação está mais frustrado e perdido que nunca. Na Saúde, um ministro de grande empatia foi substituído por outro sem capacidade de comunicação. De início pensei ser uma tática, consequência de uma censura implícita. Para sobreviver à ira do chefe, melhor não falar muito, nem ter carisma.

Regina Duarte, sabe bem disso. Assiste, passivamente, ao desmonte da Cultura, cumprindo a determinação do chefe.

Ninguém está no governo Bolsonaro por acaso. Não espanta que com mais de 20 dias no cargo o ministro da Saúde ainda não disse a que veio. Teich é a própria encarnação do personagem Rolando Lero. Em uma linguagem própria de atendente de call center, abusa do gerúndio. “Estaremos providenciando a divulgação de nossa posição sobre a covid-19” é o símbolo de suas entrevistas.

Sua chegada interrompeu iniciativas tomadas em conjunto com secretários de saúde estaduais e a rede pública, gerando um retrocesso que não tínhamos o luxo de poder viver. É torcer para que novo titular caia logo na real. Só assim, quem sabe, “estaremos recebendo informações sobre a situação desta situação…”.

Ele não está só. O Plano Pró-Brasil foi outro momento Rolando. Uma apresentação, feita às pressas, trouxe uma lista de projetos, prevendo R$ 33 bilhões de investimento com recursos públicos que não existem. O ministro da Infraestrutura segue com promessas de grandes leilões na ponta da língua. O objetivo era mostrar à sociedade que o governo teria um plano de recuperação econômica. E não tem. Para desfazer o mal-estar causado pelo seu rompante intervencionista, o presidente tirou Guedes da fritura e o colocou em banho-maria.

Encantado com os sinais de recuperação de prestígio junto ao presidente, o ministro extrapolou. Nosso Rolando Lero mor ressuscitou o trilhão da privatização. Se já era uma fantasia em 2018, após a crise, que desvalorizou ativos e queimou capital de potenciais compradores, agora, virou delírio. Seria divertido se estivéssemos assistindo ao genial Chico Anísio. Mas é de Guedes que o País espera um sinal de esperança para a difícil retomada econômica. Milhares de empresas e milhões de empregos dependem disso.

Ignorando o viés de baixa de sua credibilidade, o ministro promete uma rápida recuperação em V. Garante que vai surpreender o mundo. Nas suas próprias palavras: “de novo”. Não sei o que essas pessoas tomam no café da manhã. O mundo, como nós, está surpreso, negativamente, com a competência deste governo, para abraçar o errado.

No meio de tanto lero lero, a obsessão de Bolsonaro em impedir investigações sobre os filhos dá rumo ao governo. Insistiu na troca do comando da Polícia Federal, a ponto de perder Moro. E nomeou um Rolando. Piada pronta.

Esta desorientação, que tanta ansiedade traz, não existe por acaso, faz parte de uma estratégia de Bolsonaro. Ele quer o monopólio da sua certeza, trabalhando diuturnamente para enfraquecer os técnicos, os cientistas, as contas públicas, a ética na política, a mídia, o combate à corrupção, a independência entre poderes, o devido processo legal, a democracia liberal e a razão.

Gostaria de ser mais otimista, mas, como Otto Lara, vejo a tal solidariedade só no câncer. Passado o medo da morte, sem uma mudança radical nas políticas publicas, focando nas vulnerabilidades de tantos brasileiros escancaradas nesta pandemia, voltaremos ao antigo normal.

Os invisíveis recuperarão a sua invisibilidade aos olhos do governo.