Resgate da Indústria: uma agenda de produtividade

August 22, 2022

Economia

O debate sobre a industrialização do país está no centro dos planos econômicos dos candidatos à presidência. O diagnóstico é claro: a participação da indústria no PIB, por dados do Banco Mundial, era de 33% em 1971, chegou no seu pico de 46% em 1984 e corresponde, hoje, a cerca de 18%. Se considerarmos apenas o setor de manufatura, que está mais tradicionalmente ligado ao conceito de indústria, esse percentual está próximo dos 10%. Os percentuais atuais estão abaixo do observado na América Latina e no Caribe e nos países de rendas baixa, média-baixa, média-alta e alta. A participação é baixa em qualquer recorte.

A perda de participação da indústria no PIB, porém, não é um fenômeno único do Brasil, apesar de a queda ser uma das mais acentuadas do mundo. A diferença do país para a experiência mundial é que o valor adicionado da indústria por trabalhador, em dólares constantes, não se alterou significativamente dos anos 1990 para cá, indicando estagnação da produtividade.

Os ganhos de produtividade em outros países fizeram com que fosse possível produzir o mesmo valor real de produtos industriais com menos trabalhadores. Em economias dinâmicas, os trabalhadores excedentes da indústria foram incorporados em outros setores produtivos, em ocupações mais técnicas e, muitas vezes, com maiores salários. O Brasil não foi uma dessas economias. Aqui, os trabalhadores migraram para atividades do setor de serviços de baixa qualificação e de baixos salários – ou ficaram desempregados.

O diagnóstico une os economistas, mas é nas soluções para esse problema que as concepções diferem. Um grupo de economistas traz como soluções o incentivo governamental direto, os benefícios tributários e um câmbio desvalorizado por um período prolongado.

Contudo, é difícil acreditar na tese de que a queda na indústria se deve à falta de incentivos ou benefícios. A Zona Franca de Manaus, a guerra fiscal dos estados para atrair as indústrias, as desonerações, o crédito subsidiado do BNDES e o Sistema S são exemplos de políticas que visam, de uma forma ou de outra, incentivar a atividade industrial e gerar empregos ligados à indústria. São políticas de longa data que não foram feitas sem custos. Dito isso, uma tese mais aceita é que esse excesso de proteção foi um aspecto chave para essa queda.

O câmbio desvalorizado, por sua vez, é um conceito quase místico para os economistas. Não há receituário para o que seria um patamar adequado de câmbio e nem o que seria, em termos práticos, um “período prolongado”. Nem se há transparência quanto aos efeitos desse câmbio para os não industriais. Com tantos mistérios sobre a política, não se pode excluir a possibilidade de “barbeiragens” derivadas dessa concepção, como já se observou aqui e em outros países.

Por isso, existem três grupos de reformas que vêm ganhando força no debate do resgate industrial. O primeiro é o de uma agenda de produtividade e infraestrutura, que traz a ideia de reformas microeconômicas e de redução da burocracia. Também inclui uma agenda de energia, sustentabilidade, transporte e logística. Por fim, traz os desconfortáveis temas das privatizações/concessões de infraestrutura e da liberação de recursos discricionários para investimentos. São pautas que sempre esbarram em privilégios, engessamento do orçamento e superstições.   

O segundo grupo é o da tributação. Apesar de incontáveis benefícios tributários para a indústria, o sistema brasileiro pune a atividade industrial com impostos cumulativos, como o ICMS. É nesse âmbito que o apoio às reformas tributárias que retiram a cumulatividade dos impostos cresceu, até mesmo entre as entidades ligadas à indústria. O desafio é convencer os outros setores, beneficiados pelo sistema atual, a aceitar uma reforma que aumentará o imposto pago por eles – com uma consequente redução dos impostos pagos pela indústria.

O último grupo é o da capacitação da mão de obra. Diferente dos anos 1980, os ganhos da indústria não estão na produção de bens de consumo, mas sim na relação que ela pode ter com os outros setores, associando bens industriais à softwares e avançando, consequentemente, na ideia de Indústria 4.0. A questão é que essa indústria moderna necessita de uma mão de obra capacitada que não está disponível, em níveis necessários, no país, o que está em linha com a queixa frequente dos setores econômicos.

Isso não é uma surpresa ao se considerar que mais de 90% dos alunos saem do colégio sem ter o conhecimento adequado em matemática, como mostram os levantamentos do Todos Pela Educação. Isso se agrava quando se olha para o baixo número de matriculados em cursos técnicos, sobretudo entre os jovens, relacionados à atividade industrial no país. 

Enquanto essas três agendas não avançarem, não há incentivo, benefício, proteção ou câmbio que resgatem a indústria brasileira. Por isso, deve-se reconhecer a importância e a urgência de uma agenda de reformas que privilegie: 1) uma reforma tributária ampla, com nenhuma ou poucas exceções; 2) uma reforma educacional que combata a baixa aprendizagem e promova a inclusão social e produtiva; 3) um reforço dos sistemas de educação técnica e capacitação, com consultas às necessidades do setor privado e implementação adequada do Novo Ensino Médio; e 4) a promulgação de reformas microeconômicas associadas com a abertura econômica – conhecida como a mãe de todas as reformas.