Quanto vale uma vida: reflexão sobre covid e pobreza

April 1, 2020

O discurso de que para salvar vidas vale qualquer sacrifício é hipocrisia, ou insensatez. Centenas de milhares morrem anualmente por diversas causas, muitas delas poderiam ser evitadas, ou adiadas. Contudo, sendo a morte uma fronteira incontornável e os recursos limitados, a escolha de Sofia torna-se inevitável.

Viver é sujeitar-se a riscos. Tentar racionalizar economicamente os esforços, e pesar decisões sobre esse prisma, é simplesmente aceitar o estado contingente da humanidade, exposta a mortalidade e a escassez de recursos, sejam eles naturais, humanos, materiais ou mesmo a limitações de tempo e conhecimento.

Não podemos tudo, então buscamos racionalizar nossas escolhas. No uso da razão, nos consolamos com um mínimo de justiça. Uma justiça humana, limitada e paliativa, derradeiramente misericordiosa.

A palavra economia vem do grego antigo oikos, que diz da família, da sua propriedade e da sua casa. Oikos é a unidade básica da sociedade, organização social nuclear. A partir dela vem a polis.

Ainda assim, a economia não é capricho dos humanos. Ela tá na bios, na vida. Dar-se a ela é fundamental para entender e intervir nos ecossistemas. Tratar dela é tratar do equilíbrio/desequilíbrio, das necessidades/desejos, das faltas/recursos.

Trazidos a quarentena vigente, conseguimos algumas semanas para entender o que está acontecendo, a verdadeira dimensão da dispersão e severidade, tempo para preparar leitos, distribuir e angariar testes e outros suprimentos, traçar uma estratégia para reaver a normalidade.

Do outro lado, não se pode ignorar o impacto econômico. Estranhamente, não é absurdo especular que, nesses dias de quarentena, a mortalidade tenha possivelmente caído, num saldo geral, com menos mortes decorrentes de acidentes e da violência urbana.

Com isso, se demonstrará um pouco do poder que temos quando direcionamos nossas preocupações coletivamente.

Ademais, como vem se pontuando, há a ameaça de uma segunda onda, decorrente do estrago econômico: fome, suicídio, miséria e caos. Efeitos colaterais da medida violenta.

Como bem sabiam esses gregos, a diferença entre remédio e veneno está na medida. Essa sedação, no médio prazo, matará o paciente. Em breve precisaremos ser mais cirúrgicos. Criar fronteiras regionais e permitir que bolsões, onde a disseminação não ocorre, funcionem normalmente. Avançar também em outros relaxamentos e aprender a conviver com o que, nela, se impôs de irremediável.

Não discordo das medidas tomadas até o momento, foi um freio de arrumação necessário. Com ela saberemos um pouco melhor a extensão da disseminação, nos aproximamos de tratamentos que reduzam a letalidade, organizamos melhor nosso sistema de saúde, e conscientizamos nossa população.

As consequências, inevitavelmente, virão, de um lado, ou de outro. Ganhar um pouco de tempo, adia a disseminação, cria um espaço para a racionalidade, e não a promoção do pânico injustificado. O retrato pintado na Itália nos dá a real dimensão do assunto.

A conta que temos para fazer não pode ser tão banalmente colocada como “vida versus dinheiro”. Ultimamente, nos dois lados, teremos somente vidas. Algumas televisivamente dramatizadas e outras mais anonimamente fragmentadas, e, dessa responsabilidade, não podemos nos furtar.

Por tudo isso, precisamos de mais informação e menos convicções impetuosas. É preciso criar diálogos entre cientistas da saúde e os economistas, e, principalmente, precisamos de mais humildade para acessar a grandeza que nos permitirá vencer o desafio.