Quanto custa?

June 9, 2020

Economia

Esse artigo foi originalmente publicado na Folha de S. Paulo. Leia na íntegra aqui.

Há duas semanas, escrevi sobre proposta de renda básica de cidadania de Rozane Siqueira e José Ricardo, professores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Apresentei os benefícios: eliminação da pobreza e redução da desigualdade equivalente ao dobro da observada entre 2002 e 2014.

Na semana passada, apresentei a conta: alíquota linear de 35,7% de imposto sobre todas as rendas desde o primeiro real, além da eliminação de todas as deduções do IRPF.

É possível pensarmos outras possibilidades. Tratei de alguma delas na coluna da semana passada.

A questão importante é que não é atribuição de um profissional de economia avaliar ou não a oportunidade de um programa dessa natureza. O motivo é que ele apresenta custos e benefícios que são de difícil comparação. Envolve juízo de valor, e o conhecimento econômico não permite esse tipo de avaliação.

O que podemos fazer é o inventário dos custos e dos benefícios e oferecê-lo à sociedade. Esta, por meio do Congresso Nacional, decide.

Uma possibilidade de financiamento sobre a qual meus leitores sempre me perguntam é o imposto sobre grandes fortunas (IGF). Aplica-se uma alíquota sobre a riqueza das pessoas.

Há pelo menos três problemas com o IGF. Primeiro, representa bitributação, visto que riqueza é renda acumulada, e a renda já foi tributada. Segundo, tem elevadíssimo custo de processamento. Terceiro, incide sobre uma riqueza ilíquida. A pessoa teria que vender o patrimônio para pagar o imposto.

A experiência recente é que, dos 12 países da OCDE que tinham essa modalidade de imposto há algumas décadas, somente 3, Suíça, Espanha e Noruega, o mantêm. A capacidade máxima de arrecadação foi de 1% do PIB na Suíça, 0,2% na Espanha e 0,4% na Noruega.

Mais informações em dois posts no ótimo Observatório de Política Fiscal do Ibre, a cargo do meu colega Manoel Pires (bit.ly/37bTe2n).

A constatação inicial dos dois pesquisadores da UFPE, de que uma alíquota de imposto sobre a renda de 35,7% financia o programa, resulta de uma análise contábil. É sempre o primeiro passo.

O segundo passo é avaliarmos como as pessoas irão se comportar com a nova alíquota. É por isso que economia é uma disciplina social: as pessoas alteram seu comportamento de acordo com as regras.

Além disso, o mercado reage às alterações do comportamento das pessoas. Minha colega Monica de Bolle, em sua coluna às quartas no jornal o Estado de São Paulo, argumentou que parte do gasto com um programa dessa natureza retorna aos cofres públicos por meio dos impostos embutidos nos bens e serviços adquiridos pelos beneficiados.

O problema é que, numa economia como a brasileira, que apresenta estruturalmente situação de excesso de demanda sobre oferta e na qual, portanto, há juros reais consistentemente superiores às taxas de crescimento da economia —não tem sido assim nos últimos três anos, mas certamente é a exceção, e não a regra—, o aumento das transferências públicas pressionará a inflação e, com ela, os juros. O custo da dívida pública se eleva.

Não que esse seja motivo para desistirmos de um programa dessa natureza, somente o ganho alegado será mitigado ou até revertido.

É absolutamente legítimo o desejo da sociedade de ações mais incisivas de combate à pobreza e à desigualdade. A atribuição dos profissionais de economia é apresentar o inventário de custos e benefícios. A decisão ficará sempre a cargo de alguma esfera política, que pode comparar custos e benefícios quando envolvem juízo de valor.