Educação no Brasil: Políticas públicas para melhorar a educação

June 28, 2018

Educação

Como visto no artigo anterior, o Brasil, apesar de seu grande gasto em educação como proporção do PIB, fica com resultados da qualidade de seu ensino muito aquém do que deveria de acordo com seu nível de gasto. Como se vê no gráfico abaixo, que compila o gasto em educação fundamental e notas do PISA de matemática no mundo desde 2006, estamos bem abaixo do que seria esperado segundo a média de gastos em Educação Básica e resultados dos demais países.

Fonte: PISA; Banco Mundial; Elaboração do autor

 

Portanto, é preciso pensar o que nos está colocando para trás nos índices de qualidade em educação, quando nosso gasto está mais apropriado para resultados tão melhores. Junto a isso, é preciso entender quais frentes podemos atacar para melhorar nossas escolas sem que haja grandes aumentos no gasto público.

Felizmente, há um amplo leque de experiências internacionais e nacionais de políticas bem-sucedidas em aumentar a eficiência do investimento agregado em educação. Nesse artigo, falaremos resumidamente de pelo menos cinco delas, que tem maior ou menor potencial de avanço na qualidade educacional sem necessidade de maiores recursos dos contribuintes.

 

  1. Investir em engajamento parental

Talvez um dos fatores mais importantes para o sucesso escolar de qualquer criança, independentemente da sua renda ou status social, seja o engajamento dos pais na sua educação. Um pai ou, principalmente, uma mãe que saibam sobre a frequência escolar e as notas de seu filho ou filha, e com isso podem cobrar melhores resultados, além de ajudar com deveres ou tarefas de casa, são fortes determinantes para que uma criança, pobre ou rica, consiga completar o ciclo escolar com melhor desempenho e resultados.

Além disso, engajar os pais na educação dos filhos pode diminuir a evasão escolar destes últimos quando chegam ao primeiro ano do Ensino Médio, atualmente na alarmante taxa de 9,7% nas escolas públicas. Um experimento nos Estados Unidos examinou os efeitos de uma intervenção que entregava mensagens individualizadas semanais de uma frase de professores para os pais de alunos do ensino médio em um programa de recuperação. Somente essa política reduziu a taxa de alunos que não passaram na recuperação em 6,5 pontos percentuais e a taxa de evasão em 6,1 pontos percentuais, mostrando o grande efeito que apenas uma mensagem semanal aos pais pode ter sobre o desempenho escolar dos alunos.

Talvez o grande benefício dessa política é que ela pode ser extremamente barata. Com um simples cadastro de números de celular dos pais, cada escola pode programar uma mensagem automática informando a taxa de presença de cada filho durante a semana e, quando houver, a nota de algum teste ou prova em alguma matéria.

Há ainda outras políticas públicas que podem incentivar o engajamento parental sem grandes custos. Oferecer serviços e eventos que tragam os pais para a escola, além de mostrar o que os alunos estão aprendendo e realizando, são grandes candidatos. Convidar os pais para passear pelos corredores para ver as obras de arte de seus filhos em exibição ou pedir que eles se sentem na plateia durante uma apresentação ou evento tem alto potencial de atentar os pais para os esforços dos alunos.

 

  1. Aumentar a equidade de gasto por aluno entre as escolas

Tem-se repetido extensivamente nesse texto – e também fora no último sobre esse tema – que o Brasil gasta em educação para além do que seus resultados mostram. No entanto, é importante frisar que, desde o início, estamos falando de gasto médio e resultado médio, com uma implícita suposição de que, quanto mais um aumenta, mais o outro deveria aumentar. Porém, e se isso não for sempre verdade?

Na verdade, no Brasil há uma grande desigualdade de recursos para educação – e não de uma forma equitativa, mas o contrário. Como mostra o Gráfico abaixo, Estados mais com mais de 40% população em situação de vulnerabilidade (ou renda familiar por pessoa abaixo de pouco mais do que R$ 300 mensais) – ou seja, mais pobres – têm um gasto por estudante mais de 20% menor do que as Unidades da Federação com menos de 40% da população em situação de vulnerabilidade.

Fonte: Orçamentos Estaduais; Censo Escolar de 2012; Elaboração do autor

 

Essa situação é ainda mais dramática quando olhamos para o nível municipal. Segundo a organização Todos Pela Educação, pelo menos 2 mil municípios (quase 40% do total) tem um gasto por estudante menor do que R$ 4000 por aluno (menos do que R$ 350 mensais), e há um número considerável de municípios do Maranhão – um dos Estados mais pobres do país – com municípios que investem menos de R$ 3000 por cada estudante, um número decididamente muito abaixo do adequado, sendo quase todos de baixo nível socioeconômico.

No entanto, tendo sido defendido que é possível melhorar os resultados em educação sem aumentar o seu gasto, por que defender o aumento de gasto em escolas piores? Isso ocorre porque uma simples transferência de recursos de escolas com mais recursos para outras com menos aumentaria o resultado médio do país em qualidade educacional.

O argumento parece contra intuitivo. Supostamente, se qualidade e gasto estão correlacionados, tirar de uma escola ou município com mais recursos para dar para outra(o) simplesmente faria o primeiro piorar e o segundo melhorar, mantendo a média igual. No entanto, há diversas evidências internacionais que mostram que a relação entre quanto se investe por estudante e a sua performance posterior não são correlacionadas para todos os níveis de investimento, mas apenas para os mais baixos.

Um estudo de dois economistas, por exemplo, mostra que na nota de matemática do PISA está positivamente correlacionada com o investimento por estudante no Ensino Básico até um limite de US$ 8000, em paridade de poder de compra de 2011 (o que hoje seria algo em torno de R$ 8500 a preços de 2017). Os autores ainda controlam por PIB per capita, para não captarem correlações espúrias (uma vez que países mais ricos naturalmente gastam mais).

No Brasil, é possível repetir a análise com algumas adaptações, usando nosso indicador de qualidade do ensino – chamado IDEB – e o gasto destinado à educação dos municípios. Felizmente, a economista Maria Ana Falcão, da UFRJ, compilou uma base de dados de mais de 1800 municípios com essas informações para 2005 e 2013. Assim, controlando pelo PIB per Capita municipal, além do que economistas chamam de “efeitos-fixos” (basicamente qualquer característica observável ou não de cada município que se manteve nesses dois anos), é construída a seguinte relação entre Gasto em Educação por Matrícula e IDEB dos Anos Finais.

Fonte: Finbra; IBGE; INEP; Elaboração própria

 

Como se vê, a relação encontrada é surpreendentemente parecida com aquela mostrada pelo estudo internacional. Ou seja, até um patamar em torno de 10 mil reais, vemos uma relação positiva (porém progressivamente mais fraca) entre o gasto por estudante dos municípios e suas respectivas notas no IDEB. A partir, portanto, desse valor, não há evidências de que investir mais por estudante melhore seu rendimento.

Esse fenômeno ocorre pois mais e melhores recursos não aumentam o aprendizado dos estudantes a não ser que eles afetem a rotina dos alunos na escola. E escolas já bem equipadas, com bons professores e baixo número de alunos por turma dificilmente mudam muito com mais recursos. É nas escolas de baixa infraestrutura, poucos e deficientes professores, com muitos estudantes nas aulas, que mais recursos podem mudar estruturalmente o dia a dia escolar, propiciando grandes melhoras no ensino.

Assim, transferir parte do orçamento de escolas de muitos recursos para escolas de poucos recursos tem grande potencial de melhorar a qualidade destas últimas, sem piorar a das primeiras e colocar mais um centavo no orçamento total da educação. Considerando que, com progressiva redução do número de crianças e adolescentes na população brasileira, o gasto por aluno no Brasil vai crescer mesmo sem aumento total de recursos para a pasta, direcionar esses ganhos para os municípios e escolas de mais pobres será fundamental se quisermos ver melhorias nos nossos indicadores de qualidade do ensino no futuro.

 

  1. Incentivar a cooperação intraescolar e interescolar

O que há em comum entre os países Finlândia, Japão e Canadá, países geograficamente extremamente distantes, mas que estão juntos entre os que apresentam melhor desempenho no PISA? Poder-se-ia dizer que é o alto grau de desenvolvimento econômico – mas há outros países tão ou mais desenvolvidos que performam consideravelmente pior, como Austrália, Estados Unidos e Irlanda. Pode se arriscar também o nível de investimento por aluno, mas esse indicador é extremamente diferente para cada um deles: Em 2012, enquanto de fato a Finlândia gastava 5,14% de seu PIB com Educação Básica, o gasto do Japão nessa área não chegava nem a 2,95% (O Canadá não tem dados disponíveis para esse ano, mas em 2009 seu nível de investimento era de apenas 3,11%).

O que esses três países têm, de fato, em comum é uma forte política de cooperação e integração entre escolas e profissionais de ensino. E essa política permite que eles se destaquem nos resultados não apenas de proficiência média no PISA, mas na proximidade de performance entre estudantes mais e menos privilegiados.

No Brasil, o setor público, no entanto, funciona de forma diversa. Dentro da secretaria de educação, encontra-se pouca ou nenhuma coesão entre diretores e professores de diferentes turmas e escolas, sem troca de experiências bem-sucedidas ou políticas cooperativas. Pelo contrário: diversos controles burocráticos e estabelecimento de ordens de cima para baixo, sem diálogo e, consequentemente, sem sucesso de implementação.

Portanto, é preciso estabelecer um novo sistema de metas, mas diferente dos estabelecidos até então: um sistema de metas cooperativas, em que tanto escolas, quanto professores e alunos de alta performance “apadrinham” outros de baixa, em que ambos são recompensados caso estes últimos consigam melhorar seus resultados. Com isso, além de premiar o mérito, também é premiada a cooperação, de modo que haja estímulos para passar e implementar conhecimentos que melhorem a gestão, o ensino e o aprendizado.

O projeto Prêmio Escola Nota 10 foi criado em 2009 pelo Ceará com o objetivo de servir como política indutora da melhoria dos resultados das escolas públicas nos índices de desempenho escolar.  O diferencial deste projeto era que o valor do prêmio seria entregue a cada escola premiada em duas parcelas: a primeira, de 75% do valor total, e a segunda, de 25%. A transferência da segunda parcela era condicionada, principalmente, à realização de ações de cooperação técnico-pedagógica que contribuíssem para a melhoria de uma escola que obteve baixo desempenho. Portanto, além de reconhecer o trabalho realizado pelas escolas que alcançaram alto desempenho, o projeto induz relações de cooperação por meio da transferência de conhecimentos e experiências entre uma escola de alto e outra de baixo desempenho.

Segundo uma pesquisa de dois economistas, há evidências de um impacto positivo e significante do prêmio sobre as escolas, em especial aquelas que já apresentavam bom desempenho, além de indícios de que o apoio às escolas com proficiência mais baixa possibilita que estas se igualem as demais em termos de notas médias, sendo inferido que o apoio dado pelo prêmio nos anos iniciais da vida estudantil tem efeito persistente, pelo menos até o 5º ano do Ensino Fundamental.

 

  1. Investir na primeira infância

Dentro da Ciência Econômica há um pequeno número de consensos sobre qualquer assunto. Entre eles, certamente se faz presente a absoluta importância do ensino infantil para o desenvolvimento socioeconômico de qualquer país.

Em um de seus mais destacados trabalhos, o economista James Heckman, que trabalha com impacto do Ensino Infantil e recebeu o Prêmio Nobel em 2000, traça uma curva de retorno do investimento por nível educacional de acordo com uma compilação dos dados de sua pesquisa. O gráfico abaixo mostra que, a cada ano posterior, o retorno do investimento decresce exponencialmente, tornando essencial a educação nos primeiros anos de vida.

Fonte: Heckman (2006)

 

Isso ocorre porque o cérebro das crianças, ainda em desenvolvimento, tem altíssima capacidade de absorção e resposta aos estímulos, tornando o aprendizado extremamente duradouro. O atendimento de educação infantil pública é especialmente importante para as classes baixas e médias, uma vez que, nesses casos, a grande maioria dos pais têm longas jornadas de trabalho e um ambiente sociofamiliar pouco propício ao desenvolvimento cognitivo.

Em um extenso estudo econométrico, o economista Naércio de Menezes Filho aponta que o fato de um aluno ter cursado pré-escola antes de entrar no Ensino Fundamental está positiva e fortemente associado a melhores notas de matemática na 4ª e 8ª série. É importante notar que essa associação controla por diversos fatores escolares e familiares, como escolaridade da mãe e estrutura da escola.

Apesar de recentes esforços, o Brasil ainda está longe de priorizar a educação infantil na esfera pública: o ensino básico no país é o que demonstra o menor gasto por aluno e atendimento, quando comparado aos demais. Nossas creches e pré-escolas públicas ainda lutam por maior lugar ao sol nos orçamentos públicos país afora.

Ainda, apesar da maior oferta de vagas no período recente, foram as famílias de classe alta que conseguiram o aumento mais expressivo no atendimento de suas crianças –mais de 5 pontos percentuais apenas entre 2011 e 2014. Nesse mesmo período, porém, as classes baixa e média obtiveram resultado muito inferior – cerca de 2,5 pontos percentuais, a metade das famílias mais ricas. Esse aumento da diferença, se continuar, terá um forte efeito sobre a desigualdades educacionais no futuro.

 

  1. Disseminar as boas práticas

É possível uma escola ser melhor do que outra, mesmo com o mesmo nível de recursos e número de alunos, além de o mesmo nível sócio econômico dos alunos, infraestrutura escolar, número de estudantes por turma, etc.? Há diversas evidências de que sim, há um grande espaço para variação de desempenho entre escolas com estruturas muito parecidas. O principal fator que pode explicar essa diferença são as práticas de ensino e gestão dentro das escolas.

Em uma extensa pesquisa publicada em 2015, realizada em quase 2 mil escolas de ensino médio, incluindo algumas brasileiras, foram entrevistados os diretores de cada instituição e, com isso, construídas medidas de gestão para avaliar cada país. Cruzando essas informações com alguns resultados de desempenho escolar, os pesquisadores descobriram uma forte associação entre notas de testes padronizados, presença de metas escolares, acompanhamento de aprendizado dos alunos nas escolas e monitoramento das atividades nas turmas. É importante notar que o Brasil, junto com a Índia, ficou entre os piores colocados com relação a esses índices.

Estudos brasileiros também mostram que as boas práticas parecem relevantes para o desempenho acadêmico das crianças e adolescentes. No mesmo estudo citado anteriormente, do economista Naércio Menezes Filho, o autor descobre que há escolas muito boas e muito ruins dentro da mesma rede, mesmo após levarmos em conta as características das famílias dos alunos, indicando o importante papel da gestão escolar. Alguns estudos de caso, como em Minas Gerais e na Bahia, apontam para a mesma direção.

É possível, portanto, sem gastar mais um real no sistema educacional, melhorá-lo através da disseminação das boas práticas. O economista Paes de Barros, membro do Conselho Acadêmico do Livres e formulador do Bolsa Família, dá algumas pistas de como, em uma entrevista de 2016:

“O que espanta é pensar por que não replicamos as experiências que funcionam. Precisamos aprender a fazer cópias inteligentes dessas estratégias. A cópia inteligente é entender o que funciona e adaptar à realidade daquele local, para aquelas demandas. Para isso, são necessárias três coisas. A primeira é aprender a documentar as boas práticas. É inadmissível que isso não seja feito. O que seria da ciência se não houvesse a devida documentação do que funcionou ou não e por quê? A segunda providência é ter um órgão central que evidencie as boas práticas. É um absurdo não termos na página do MEC, acessível a todos, as boas práticas educacionais do país reunidas. O terceiro ponto é dar incentivos e sanções para que o gestor aplique esses exemplos”.

 

Conclusão: uma agenda para a educação no Brasil

O Brasil se encontra, atualmente, espremido entre o passado e o futuro: Por um lado, decisões tomadas em governos e contextos históricos anteriores nos enfiaram em uma grave situação fiscal, com déficit primários das contas públicas na ordem de 1,5% do PIB, e uma dívida pública que fechou Abril de 2018 em 76% do PIB, 20 pontos percentuais à frente de 2014, quando estava em 56%. Por outro, nosso futuro se mostra comprometido, com um sistema educacional que forma crianças e adolescentes de forma deficiente, seja comparando com países desenvolvidos ou mesmo com nossos vizinhos.

Nosso único futuro possível, portanto, é apostar em uma agenda de aumento da eficiência dos investimentos públicos em educação, de modo a melhorar nossa qualidade sem a necessidade de aumentar os gastos – o que atualmente seria praticamente impossível. Felizmente, com um amplo conjunto de evidências, é possível identificar pelo menos cinco grandes diretrizes de políticas públicas para avançar nessa frente.

Resumidamente, podemos citar:

 

  • Adoção de um programa de incentivos ao engajamento parental, dentre os quais um informe mensal via mensagens de texto/whatsapp/e-mail sobre seus filhos nas escolas, além da adoção de eventos escolares com a presença requisitada de pais e familiares.
  • Aumentar a equidade de orçamento entre redes escolares, priorizando fortemente a transferência de recursos de escolas com alto gasto por aluno para aquelas com baixíssimo nível – a começar, por exemplo, com aquelas que investem anualmente menos de 3 mil por cada estudante.
  • Incentivar a cooperação entre escolas de alto desempenho com baixo desempenho, através de canais de bonificação por mérito compartilhado, a exemplo da bem-sucedida política adotada em Sobral.
  • Priorizar nas instituições de ensino à primeira infância, como creches e pré-escolas, com absoluta focalização de vagas para as famílias de maior vulnerabilidade social, quem mais necessita e mais se beneficia dessa etapa de ensino.
  • Identificar e documentar boas práticas adotadas nas escolas, a começar por instituições de poucos recursos e alto desempenho, para evidenciá-las em um grande banco de dados público, de modo que possam ser incentivadas pelos gestores escolares.

 

* Este é o segundo artigo da Série Educação, preparada por Daniel Duque para o Livres. O primeiro artigo da série foi “Educação no Brasil: um diagnóstico das últimas décadas“, publicado no dia 11 de junho.