Parece que o MEC acordou

July 17, 2019

Educação

Nas últimas semanas alguma coisa começou a sair de dentro dos gabinetes do MEC e merece alguma reflexão por parte de todos. Duas já foram anunciadas e uma acabou de sair de forma organizada, mas ainda sem todos os detalhes.

A primeira delas é o Enem Digital, que propõe substituir gradativamente o modelo de aplicação de provas ao final do ensino médio, como já é feito com alguns exames em outros lugares do mundo. A segunda é o chamado “Compromisso Nacional pela Educação Básica”, com uma série de medidas de apoio aos Estados e municípios na formação de base. Junto com este plano veio a proposta de construção de 108 escolas militares. Por fim, está sendo apresentado aos reitores uma proposta de mudança profunda no sistema universitário, aproximando empresas e remunerando por produtividade. O programa deverá ser lançado na próxima quarta-feira, e por enquanto as informações ainda estão desencontradas.

Em relação ao Enem Digital, a proposta é extremamente bem-vinda e pode simplesmente derrubar esta movimentação tenebrosa de estudantes para exames exaustivos e majoritariamente conteudista. No auge do Enem Digital (ainda não foi colocada explicitamente esta possibilidade), estudantes poderiam agendar e realizar a prova em locais determinados, que poderiam até ser terceirizados. Temos vários exemplos de exames como este, como o GMAT, o GRE e o TOEFL, realizados para entradas em universidades americanas. Tira do aluno a pressão da prova e possibilita que faça várias vezes.

Apenas para o leitor entender, há uma extensa base de questões que historicamente são avaliadas (e pontuadas pela dificuldade) e ao final é calculada uma média semelhante à que temos hoje no Enem, onde o resultado (a pontuação) é dado por uma distribuição normal. Lógico que o caminho a ser percorrido para isso ainda é longo, mas pode mostrar uma forma mais eficaz de aplicação de prova. Mas não custa lembrar: isto é apenas para a aplicação da prova, não muda efetivamente a educação.

Já o Compromisso Nacional pela Educação Básica foi algo negociado com os secretários estaduais, no primeiro movimento decente feito pelo MEC junto à grande rede de parceiros. Como até agora nada foi apresentado pelo Ministério, nos parece um sopro de sensatez, já que a educação pede socorro pelos péssimos resultados. Se a deficiente qualidade do ensino básico não pode ser atribuída a esta gestão, a ausência de qualquer plano já assusta, pois em sete meses nada de efetivo foi construído. O Governo promete ajudar na construção de 4 mil creches, que é uma medida necessária dada a demanda de famílias por este apoio educacional. Além disso, falou de conectividade e apoio ao ensino médio nas redes estaduais.

No meio do plano ficou evidente a construção de 108 escolas militares, que na prática seria algo feito pelos militares para os civis. No fundo isso é apenas simbólico, já que 108 escolas não passam de um projeto piloto.

Por fim, os reitores das universidades federais foram chamados a Brasília para a apresentação de um novo plano que me parece algo inexequível, quando falamos de instituições federais de ensino superior.

O MEC gostaria de contar com a adesão das IFES para um projeto de “modernização administrativa” (podemos chamar assim?), onde os professores e departamentos receberiam por produtividade efetiva. Quando falamos nisso, estou me referindo a resultados claros de inovação e produção, como patentes e publicações que tenham algum impacto. É importante diferenciar isso, já que a grande maioria das publicações não serve para absolutamente nada, a não ser o recheio dos Currículos Lattes dos professores. Seria dada também maior autonomia a departamentos produtivos, além da ajuda financeira para o pagamento de “bônus”.

Não é preciso ser especialista em educação superior para saber que isso será rechaçado pela grande maioria dos reitores (caso seja realmente isso), já que muitos estão comprometidos ideologicamente com um modelo extremamente ineficiente e burocrático. Além disso, o próprio MEC seria massacrado pelos órgãos de controle, mais preocupados com o processo do que com o resultado. E precisamos ter em mente que o proponente não goza de prestígio nem confiança para propor algo tão disruptivo.

De toda forma, estas notícias mostram que apesar do debate inútil de costumes protagonizado nos últimos meses em vários momentos pelo MEC, há alguma tentativa da equipe técnica de sair da inércia propondo algumas mudanças interessantes. Parece que acordaram para a real necessidade de mudança, já que os pífios resultados educacionais estão afetando significativamente a curva de crescimento econômico do país.