A revolta do homem-massa, por Ortega y Gasset

October 1, 2021

Liberalismo

As primeiras décadas do século XX foram marcadas por grandes desafios para os defensores da liberdade. A cultura entrava na era da reprodutibilidade técnica, a política lidava com a busca pela cidadania por parte das classes operárias e a economia era destruída criativamente após a revolução industrial. Neste contexto, José Ortega y Gasset realizou um diagnóstico sombrio: se nada fosse feito, o progresso dos últimos dois séculos iria abaixo nas mãos de um novo tipo de homem: o homem-massa.

O homem-massa tomou para si as maravilhas tecnológicas do século XX e agora preparava-se para avançar sob a política. A sua ação poderia ser devastadora: uma revolta das massas, aos olhos de Ortega, seria capaz de acabar com os fundamentos da sociedade europeia.

Para entender em detalhes como homens-massa podem, ainda, representar um perigo para a democracia liberal, o Clube do Livro analisará o texto A rebelião das massas, de José Ortega y Gasset. Veja a seguir as bases dessa obra!

Quem foi José Ortega y Gasset?

José Ortega y Gasset nasceu em Madrid, no dia 09 de maio de 1883. Filho de pais envolvidos com o jornalismo (o pai era diretor do jornal madrilhento El Imparcial, fundado pela família de sua mãe), foi doutor em Filosofia pela Universidade de Madrid.

A imprensa foi fundamental para o desenvolvimento de sua formação intelectual. O estilo literário de Ortega é influenciado pelo seu contato com o jornalismo espanhol do século XX: muitos dos seus grandes escritos filosóficos foram produzidos a partir do contato com impressos.

A vida pública de Ortega se iniciou na década de 1910, quando ele iniciou a sua docência universitária e as suas atividades políticas e culturais extra-acadêmicas. Durante a Guerra Civil Espanhola, o filósofo viajou pelo mundo: em alguns anos, Ortega palestrou na Argentina, na Holanda, na França e em Portugal. Após uma produção extremamente crítica de seu tempo, sem a fuga da polêmica, Ortega morreu em Madrid, em 1955.

Homem-massa: o homem que não é

O diagnóstico do homem-massa como um problema para as democracias liberais está lastreado naquilo que seria uma das grandes marcas do século XX: o acesso a um padrão de qualidade de vida nunca visto. As revoluções do século XIX mudaram a dinâmica das sociedades europeias. As separações de classes aristocráticas foram derrubadas e a cidadania expandida a todos os membros de uma nação, que agora poderiam colocar as suas ideias em nível de igualdade com qualquer outro membro da sociedade.

Mas por qual motivo a ampliação da cidadania a todos poderia ser um problema? Para Ortega, a sociedade sempre foi composta de uma dinâmica entre minorias qualificadas e massas não qualificadas. Sempre que as massas tomam para si os rumos de uma nação, o seu tecido social está destinado a ser rasgado.

É importante, porém, deixar um ponto claro. O “homem médio” de Ortega não é a pessoa pobre, que não teve acesso à educação formal. O membro das massas não qualificadas é aquele que é comum, genérico e que, nas palavras de Ortega, “não se valoriza a si mesmo – no bem ou no mal – por razões especiais, mas que se sente “como todo o mundo”, e, entretanto, não se angustia, sente-se à vontade ao sentir-se idêntico aos demais.”

Em contraposto, as minorias qualificadas são aqueles grupos que exigem de si mais do que exigem dos demais. São as pessoas que procuram, de maneira contínua, se aperfeiçoarem. Não é, portanto, a antiga nobreza (ainda que ela muitas vezes tivesse esse caráter) ou os empreendedores de sucesso, mas sim as pessoas que não se conformavam com o estado em que se encontravam.

A rebelião dos homens médios

Como apontamos, historicamente todas as sociedades, nas palavras de Ortega, são divididas entre uma minoria qualificada e uma massa não qualificada. Antes de seu tempo, quase sempre, as operações que demandavam conhecimentos avançados estavam limitadas às elites. Mas, após a virada do século XXI, as massas deixaram de se qualificar antes de interferirem nessas operações.

Em outras palavras, a partir do século XX, os homem-massa resolveu avançar para o primeiro plano social e “ocupar os locais e usar os utensílios e gozar dos prazeres antes adstritos aos poucos”. Até aí, tudo bem. Mas conforme estes locais não estavam preparados para esta nova dinâmica, as massas suplantaram as minorias, ruindo os fundamentos da democracia liberal e da própria sociedade moderna.

A rebelião das massas é o que se dá quando os homens médios chegam ao poder sem deixarem de ser homens médios. É o império das maiorias sob as minorias, o triunfo da hiper democracia e da normalização da mediocridade. Em último caso, é o cenário em que todo o mundo se torna só a massa.

É possível salvar a democracia do homem-massa?

Apesar de muito crítico de seu tempo, Ortega não deixa de ser otimista. Há, para ele, uma saída possível para a rebelião das massas ainda que a crise da sociedade fosse inédita. O caminho para a salvação era simples: bastaria que minorias voltassem as suas atenções para projetos que dessem vitalidade e vertebração para a sociedade.

Em outras palavras, os homens nobres deveriam promover uma nova revolução ilustrada. Orientados pela razão e pelas lições da História, era necessário criar um projeto de sociedade, que fosse capaz de aproveitar os benefícios do momento histórico e blindar as instituições democráticas dos homens sem valores. Sendo este trabalho bem feito, a marcha da humanidade seria orientada para, nas palavras de Ortega, “resgatar, revalorizar o acontecer humano”.

A Rebelião das Massas é a obra prima de José Ortega y Gasset. Escrito no período entre guerras, retrata as grandes transformações que a Europa – e o resto do mundo – passaram ao longo do século XX. Em pouco mais de 400 páginas, Ortega reflete sobre os impactos da ascensão de um novo homem, que não se aproveita dos benefícios das revoluções do século XIX para transformar-se em um agente de mudança global.

Ortega defendeu as suas ideias com vigor, bons fundamentos e uma lógica que conta com início, meio e fim. O seu argumento, se abusado, pode levar a posturas elitistas e que pouco se alinham com os ideários liberais modernos. Mas, se bem lida, A Rebelião das Massas traz um grande diagnóstico: sociedades saudáveis são aquelas em que os cidadãos trabalham continuamente pelo seu autodesenvolvimento, sem se render à facilidade das respostas fáceis.

O Clube do Livro analisará as ideias de José Ortega y Gasset no próximo domingo, dia 03 de outubro, às 20:00. Participe ao vivo no nosso canal de webinários!