O liberalismo brasileiro é diferente?

May 10, 2022

Liberalismo

Artigo publicado originalmente no Broadcast.

Recentemente tem havido um ressurgimento das discussões sobre as bases do liberalismo e sua aplicação no Brasil. Uma divisão das matérias que o liberalismo cuida, é a econômica e a dos costumes/política. Vejamos algumas perguntas que são respondidas na vertente econômica. O que deve um governo fazer? Para que pagar empregados do setor público, ou seja, que serviços devemos esperar do Estado? Frente ao que foi respondido anteriormente, faz sentido o que vemos no Brasil de hoje? Por que temos bancos estatais? Por que temos empresas públicas? Qual deve ser o alcance da proteção aos menos favorecidos financiada com impostos? Qual o propósito do sistema de aposentadoria? A aposentadoria no Brasil cumpre seu objetivo? Temos leis e instituições que protegem a propriedade privada (imobiliária ou não)? Temos segurança para vivermos? Podemos exercer nossa liberdade de escolha plenamente? A estrutura jurídico-legal do País é boa para podermos trabalhar como quisermos e empreender? E assim por diante.

Obviamente, um liberal não pode restringir-se a apenas perceber as implicações econômicas. Há vários aspectos, que não são diretamente econômicos, ligados ao dia a dia. O nosso sistema político-eleitoral permite que tenhamos instituições que garantam termos segurança e proteção à propriedade privada? Somos livres para escolher em quem votamos? Por que o serviço militar é obrigatório para os homens? Por que as mulheres ainda não têm direito a determinar o destino do seu próprio corpo, como no caso das restrições ao aborto? Somos livres para escolher as nossas orientações sexuais? O que é a liberdade de expressão? As pessoas de várias raças são tratadas igualmente? Temos livre escolha religiosa? Ser forçado a usar máscara quando temos risco de contaminar alguém é ter nossa liberdade tolhida? Por que há restrições ao consumo de algumas drogas classificadas como “ilícitas”? É possível que um liberal apoie um regime autoritário? A onda do “politicamente correto” mexe com a liberdade? O cancelamento de figuras históricas é justificado? Enfim, há um sem número de instâncias em que o exercício da liberdade é posto em questão e que não envolve diretamente escolhas econômicas.

O liberalismo abarca a importância das escolhas pessoais para que o bem-estar individual seja atingido, em todas as esferas da vida. Pela emergência e proporção dos problemas do País, é comum que as discussões sobre políticas liberais fiquem, na maioria das vezes, no campo econômico. Justamente aqui tem havido uma discussão sobre este tema. Há pessoas que defendem que o liberalismo no Brasil é somente de cunho econômico, e esquece-se de suas outras faces. Por isso aqui nosso liberalismo seria capenga. Para outras, isto não é o caso, e inclusive o liberalismo brasileiro é especial. Neste quesito citam José Guilherme Merquior, um liberal brasileiro que defendeu o liberalismo social. Isto seria um liberal que defende a rede de proteção social. Chega-se a ver até mesmo distinções como liberal de esquerda e liberal de direita. No primeiro grupo estaria, por exemplo, John Maynard Keynes, e no segundo, Friedrich August von Hayek (prêmio Nobel de economia em 1974). Ao lermos esta discussão, estes autores nacionais guiam nosso raciocínio para a conclusão de ser o liberalismo brasileiro diferente. Seria um liberalismo social, basicamente um liberalismo de esquerda. Foi por conta disto que achei interessante esclarecer estas questões. Um liberal é simplesmente liberal – como ouvi de um representante do grupo Livres, que apoia a aplicação prática de políticas liberais -, não existe liberal de esquerda ou direita. Assim, Keynes era um liberal que mostrou que a intervenção do governo na economia muitas vezes pode melhorar o bem-estar da população. Isto por um motivo muito interessante: alguns mercados não funcionam bem deixados por conta própria. Este é o caso do mercado de trabalho.

Por estarmos no Brasil e vermos a multiplicidade de problemas que nossa população sofre, é óbvio que a preocupação será com estes problemas. Desta forma, o liberal brasileiro pensa muito nas desigualdades de oportunidade e no que é gerado por isso. O enorme desperdício de capital humano é apenas uma das facetas deste problema. Para que um ser humano seja capaz de viver em sociedade e exercer sua liberdade de escolha, é fundamental que possa entender as consequências de suas ações. E é preciso que tenha capacidade física de realizá-las também. Segue-se que um mínimo de educação (que em muitas partes do mundo é visto como ensino médio completo), incluindo aí alfabetização e domínio da língua portuguesa, além de habilidades matemáticas básicas. Só assim as decorrências das opções individuais são plenamente compreendidas e escolhas feitas de modo consciente. E é claro, um mínimo grau de saúde e assistência social é fundamental para que as pessoas consigam viver bem para exercerem suas atividades. Portanto, nas palavras de Gustavo Binenbojm (“Liberdade Igual”, 2020), um mínimo existencial é essencial para haver condições de liberdade. Ou seja, para que os indivíduos usufruam por completo de sua liberdade.

Em suma, não existe o liberal de esquerda ou de direita. Existe o liberal. No Brasil os problemas que afligem a nossa sociedade, são de grande desigualdade de oportunidades. Estas desigualdades acabam por diminuir muito a mobilidade social, e criam enormes dificuldades para a produção de capital humano. Isto porque vimos que um indivíduo que tenha educação deficiente e saúde inadequadas não consegue exercer seu poder de escolha, pois pode não compreender as alternativas disponíveis e quais os efeitos de suas opções. Pode até mesmo não conseguir escolher por problemas físicos. Assim, o liberal brasileiro, por viver em nossa sociedade, é mais preocupado com os problemas de desigualdade de oportunidades que o liberal dinamarquês. Isto não é ser liberal social nem liberal de esquerda. Nem ser “socialista” ou “social-democrata” disfarçado de liberal. É ser apenas uma pessoa preocupada com o mundo ao seu redor.