O herdeiro rebaixado, por Paulo Roberto de Almeida

July 12, 2019

Política

Reforma do Estado

A escolha de Eduardo Bolsonaro para a embaixada nos Estados Unidos não é apenas indecorosa. Ela é também um desastre do ponto de vista político, porque Jair Bolsonaro perde seu único herdeiro, rebaixando-o à categoria de apaniguado.

Isso é focar no menos importante do ponto de vista das instituições. Essa indicação – por enquanto apenas uma intenção – não é apenas indecorosa por supostamente retirar o chanceler de fato da linha de sucessão. Ela é sobretudo inconstitucional – pelo filhotismo explícito e ilegal – e eivada de irregularidades diplomáticas no plano dos procedimentos e da substância.

Normalmente, qualquer nova intenção de um Estado de designar um representante de um chefe de Estado junto a outro chefe de Estado é precedida de uma nota secreta pedindo o chamado agrément, ou seja, a consulta sobre a aceitação eventual desse designado. O Estado recebedor – teoricamente o chefe de Estado, mas normalmente a chancelaria é que recomenda sim ou não – tem o direito de não aceitar o indicado, pois isto faz parte de suas prerrogativas soberanas. Se o Estado aceitar, só aí o governo que pretende enviar um seu representante, com o agrément concedido, dá início aos trâmites internos de designação.

No caso do Brasil, disposições constitucionais determinam que o designado, depois de dado o agrément, em segredo, seja objeto de uma mensagem ao Senado, informando sobre essa indicação, para que o indivíduo em questão seja sabatinado. A Comissão de Relações Exteriores do Senado, assim como o plenário, são soberanos para determinar se aceita ou não a indicação.

Temos precedentes de recusa: Shigeaki Ueki, designado para representar o Brasil junto à então CEE nunca foi chamado para ser sabatinado.

Mais recentemente, criou-se uma enorme confusão (que nunca deveria ter existido) em torno do indicado pelo governo israelense para representá-lo no Brasil. O Governo Dilma, totalmente desrespeitoso das normas não escritas do Direito Internacional, revelou quem era e disse que não aceitaria abertamente, por se tratar de “militante da ocupação ilegal israelense em território palestino” (Estado reconhecido pelo Brasil desde 2010, ainda sob o governo Lula). Foi nessa ocasião que o porta-voz da chancelaria israelense chamou o Brasil de “anão diplomático”.

Mas a confusão não deveria ter existindo, se tivéssemos mantido tudo em segredo, como recomenda a praxe internacional.

Qualquer governo sério, o que não é o caso da administração Trump (e tampouco da nossa), preservariam total discrição sobre esses assuntos, pois teoricamente o governo “aceitante” pode RECUSAR um nome que tenha sido previamente anunciado sem a sua manifestação de “satisfecit”. Ou seja, dois governos pouco sérios.

Neste caso, a administração Trump aceitaria facilmente quem diz que apoia totalmente a construção do muro e diz que os brasileiros ilegais nos EUA são “uma vergonha para o Brasil”.

Vergonha é ter um representante do povo (supostamente) ofendendo milhares de brasileiros que trabalham honestamente nos EUA e ainda remetem milhões de dólares para o Brasil.

Miséria da Diplomacia (aliás o título de meu próximo livro).