Na festa da democracia, boca grande não entra

November 9, 2018

Política

Reforma do Estado

Jair Bolsonaro circulou em Brasília esta semana. Além de uma cerimônia no Congresso, esteve com Temer, com militares e com o presidente do STF.

Pela primeira vez, apareceu como novo líder da Nação, sem mensagens pelas redes sociais e situações informais. Seguiu um protocolo de presidente eleito, cuja diplomação ocorrerá em um mês.

No encontro com o ministro Dias Toffoli sugeriu um canal de comunicações permanente para que as iniciativas do Executivo seguissem de forma “mais harmônica seu curso no Parlamento e se evitassem choques futuros com o Supremo”. Bom começo.

Mas a harmonia esperada não durou 24 horas. No mesmo dia, Toffoli trabalhou, e teve êxito, para que o aumento de salários do STF fosse aprovado pelo Senado. O mesmo Toffoli que vem defendendo publicamente a reforma da Previdência e o ajuste fiscal. Ajuste dos outros, é claro.

O presidente do STF prometeu em troca suspender o auxílio moradia para quem não precisa. Estranha negociação. Ou o auxilio moradia é devido ou não é, não deveria ser moeda de troca, especialmente, pela Suprema Corte.

Por sua vez, o presidente do Senado, Eunício Oliveira, como mau perdedor, decidiu tocar fogo no circo. O compromisso com o País é zero. O compromisso com as corporações é total. Sem vinculação alguma com a futura legislatura, o presidente do Senado resolveu chutar o balde. E foi, infelizmente, acompanhado pela maioria de seus pares, mesmo aqueles que deverão avaliar ano que vem uma série de reformas necessárias para enfrentar a grave crise fiscal.

Eunício mostrou como funciona a independência dos três Poderes na vida real. Teria tomado a decisão, segundo ele, em resposta à declaração de Paulo Guedes de que deveria se dar uma “prensa” no Congresso para que votassem a sempre urgente reforma da Previdência.

A falta de experiência do czar da economia com a máquina política e burocrática de Brasília vem causando curtos-circuitos. A “prensa” não foi o primeiro deles e, muito provavelmente, não será o último. A toda hora o futuro presidente tem de corrigir alguma declaração, num vai e vem de propostas que não ajuda a clarear o cenário. Para uma eleição onde o programa de governo não foi relevante, nem sequer discutido, há uma natural ansiedade da sociedade para saber os rumos da nova administração.

Como será o governo Bolsonaro? Autoritário? Liberal? Quem definirá os rumos da economia? Paulo Guedes? Bolsonaro tem compromisso com as corporações de onde ele saiu e a quem tanto prestigia, trazendo militares para dentro de seu governo.

Defesa dos interesses das corporações e ajuste fiscal não cabem na mesma agenda econômica. As interdições à privatização das principais estatais, consideradas por Bolsonaro estratégicas, vão contra o discurso liberal. Guedes precisa afinar seu discurso ao do presidente eleito, apesar de muitos preferirem o contrário.

Na agenda política, também há uma certa esquizofrenia. Ao mesmo tempo que jura obediência à Constituição, Bolsonaro confirma os temores de uma atuação mais autoritária com a declaração de que poderia utilizar verbas oficiais para enquadrar a imprensa. A reação do STF a qualquer iniciativa que pudesse ferir liberdade de expressão, de associação e liberdade da imprensa foi rápida e unânime, até pacificando o Supremo.

Mas, por incrível que pareça, a fala de Bolsonaro recebeu apoio de alguns eleitores fanáticos que enviaram mensagens no WhatsApp com o seguinte teor: “Vamos quebrar as pernas da grande mídia!”. Patético, para dizer o mínimo. Imaginar que há pessoas que só querem ler sobre o que concordam, com preguiça de pensar e com uma declarada falta de disposição para o contraditório, não é muito auspicioso. Confirma um nível de polarização que interdita o diálogo.

Óbvio que cada um de nós tem sua preferência por determinadas linhas editoriais. Como consumidores podemos escolher que jornal iremos comprar. O governo não. Sua atuação deve ser impessoal. Não pode de forma alguma usar verbas como chantagem, como também não pode barrar determinados veículos em coletiva à imprensa. Pelo menos, não numa democracia.

Aproveitando a comemoração dos 30 anos da Constituição Cidadã, Bolsonaro reafirmou seu respeito e obediência à Constituição. Nem poderia ser diferente. Precisa ajustar o discurso à prática.

Na festa da democracia, quem tem boca grande não entra.