Liberal, esse desconhecido

April 7, 2022

Liberalismo

O “liberalismo”, filosofia política criada na Inglaterra de fins do século XVII, tem por base uma ideia simples: todos os seres humanos são livres e iguais. É uma ideia tão repetida que chega a ser banal. Mas não era nada banal na época, quando se acreditava que nobres eram melhores do que plebeus, ricos eram melhores do que pobres, homens eram melhores do que mulheres. Quando havia servidão na Europa e escravidão no resto do mundo.

A tese liberal implicava que qualquer um, até um servo da gleba, tinha o mesmo valor que o rei ou o papa — e, portanto, os mesmos direitos e deveres. Era uma tese subversiva, que fomentaria dezenas de revoluções — incluindo a independência americana, a Revolução Francesa (que criou a palavra “esquerda” para identificar a posição liberal) e a Inconfidência Mineira — e mudaria a face do mundo. Todos os países desenvolvidos hoje, sem exceção, são democracias liberais; a Constituição brasileira é liberal.

A ideia de que todos somos livres e iguais fundamenta quase todos os valores de nossa sociedade. Dela derivam liberdade de religião e separação entre Estado e Igreja; liberdade de pensamento e de expressão, de imprensa. Igualdade entre sexos e raças, direitos civis, direitos humanos e das minorias, livre associação, liberdade econômica, livre iniciativa, direito à propriedade.

Foram ou são bandeiras liberais a abolição da escravatura, a campanha dos direitos civis nos EUA, o sufrágio universal, a independência das colônias, o feminismo (pelo menos o não radical), a luta contra o racismo e o nazifascismo e muito mais. Até o identitarismo, sumamente antiliberal em seu esforço de cancelar e calar quem não reza pela cartilha, tem por base um valor liberal: o respeito e a valorização da diversidade.

Apesar disso, no léxico político brasileiro não há palavra mais enxovalhada do que “liberalismo”. A esquerda diz que liberais são racistas e escravocratas, fascistas e misóginos, e dá a entender que só pensam em dinheiro e não estão nem aí para o sofrimento do povo. É estapafúrdio, porque ninguém tem currículo semelhante ao dos liberais no combate ao preconceito e a opressão, e, até meados do século passado, quase todas as iniciativas sociais no mundo, como legislação trabalhista e educação pública e gratuita, foram liberais. No Brasil, nos 14 anos em que a esquerda ficou no poder, segurança, saúde, educação e saneamento em nada melhoraram, e a política social que mais deu certo foi o Bolsa Família, criado por liberais.

A esquerda é auxiliada no esforço de desconstrução do liberalismo por conservadores e reacionários envergonhados, que se autodeclaram liberais ou “liberais em economia” — sugerindo que “todos somos livres e iguais, mas só em economia”. (Ou como se fosse possível apoiar o governo Bolsonaro e ao mesmo tempo ser liberal.)

A demonização do liberalismo é muito prejudicial para o Brasil. Ela atrapalha o debate, gera preconceito contra ideias que dão certo e dificulta o entendimento necessário para derrotar Bolsonaro e reconstruir a democracia. Infelizmente, não há motivo para crer que ela vai acabar tão cedo.