Fundeb: todo consenso é desejável?

August 4, 2020

Educação

Esse artigo foi originalmente publicado no Estado de S. Paulo. Leia na íntegra aqui.

A pergunta que move a reflexão a seguir é inspirada pela capciosa afirmação de Nelson Rodrigues de que toda unanimidade é burra. Com seis votos contrários, uma abstenção e 14 ausências, a PEC do Fundeb por pouco não segue com unanimidade ao Senado – algo extraordinário em tempos de alta polarização política no país. Me pergunto o porquê e reflito sobre a validade do consenso criado acerca do assunto no Brasil.

Havia urgência declarada na agenda, uma vez que, caso não renovado até dezembro de 2020, o fundo seria extinto legalmente. Tanto a pressa, como a tumultuada pasta da educação desde 2019 no governo federal impediram o aprofundamento e a cautela que o tema exigia. Certo é que, independente do cenário posto, o texto segue ao Senado com ares de vitória, a despeito de diversos pontos soltos.

O primeiro deles ignorou o uso de métricas e análises prévias para identificar a razão de o Brasil apresentar resultados vergonhosos em exames internacionais como o Pisa. De acordo com o relatório Education at a Glance 2019, dados de sistemas educacionais de 36 países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE- demonstrou que em 2016 o Brasil gastou 4,2% do PIB no Ensino Fundamental 1 e 2 e Ensino Médio. O gasto brasileiro está acima da média da OCDE, que é de 3,2% do PIB. Ao que tudo indica e como reiteradamente afirma Ricardo Paes de Barros, nosso problema não é de ausência de recursos, mas de qualidade do gasto.

Desconsiderando que nossos problemas não eram causados pela ausência de recursos, mas certamente tinham origem em gestão, a PEC ainda insere mecanismos que engessam o manejo do fundo. Segundo o texto, passa a ser obrigatório que 70% dos recursos sejam necessariamente gastos com profissionais da educação. Tal obrigatoriedade em nível federal e constitucional dificulta que seja implementada uma boa política pública educacional de balizas ágeis e dinâmicas como sói ser. Desconsiderando características regionais e locais de norte a sul, leste a oeste do Brasil, os 30% de margem deixados aos critérios de conveniência e oportunidade dos gestores terá que se dividir em despesas com infraestrutura, merenda, transporte, uniforme, ou o que quer seja, como por exemplo o protagonismo estudantil.

Mesmo que a PEC vede expressamente que os recursos do FUNDEB sejam usados para pagamento de aposentadorias e pensões, a exigência de que 70% dos seus recursos sejam usados com profissionais possuem inevitáveis desdobramentos previdenciários e fiscais. Como o FUNDEB cria receitas para os entes federativos, os profissionais de educação ativos agraciados com remunerações do fundo não impactam negativamente na porcentagem de gasto com pessoal estabelecida pela LRF. À medida que migram para o rol de inativos, porém, passam a se enquadrar no limite de gasto com pessoal da receita corrente líquida de Estados, Municípios e Distrito Federal da LRF muito embora sem o acompanhamento dos recursos oriundos do fundo. Todo esse resultado, no entanto, não foi objeto de análise na PEC.

A despeito de tudo o que foi exposto, é de surpreender que a votação do FUNDEB esteja fluindo de maneira tão consensual, apesar de não unânime. Talvez as grandes chances de cancelamento nas redes por sinalizações contra aumento de recursos para educação pública e aumento de fatias de orçamento para profissionais de educação impeçam manifestações e votos impopulares. Ficar sem os recursos do fundo poderia causar um caos administrativo em nível educacional no Brasil, o que não era de forma alguma interessante para o país. Ocorre, porém, que o desenho do consenso formado é indesejável, é danoso para o Brasil. Precisamos pensar.