(Falta de) qualidade do serviço público deveria ser prioridade

February 9, 2021

Reforma do Estado

Este artigo foi publicado originalmente no Estado de S. Paulo. Confira na íntegra aqui.

Qualidade do serviço público é o principal instrumento de geração de oportunidades e de mobilidade social. Afinal, são educação pública de qualidade, atendimento de saúde universal decente e segurança pública eficaz que permitem ao cidadão que nasce pobre – e não tem senão no Estado as condições de acesso a esses serviços – reduzir o abismo que o distingue daqueles que podem pagar por eles. No Brasil, apesar do aumento contínuo dos gastos públicos, a qualidade do serviço público é ruim, quando não péssima. É isso que mostram os resultados da pesquisa que o movimento Livres encomendou ao instituto Ideia Big Data. Alguns dos resultados já foram publicados em reportagem do Estadão do último fim de semana. Mas, considerando a importância (e quiçá ressurreição) da reforma administrativa, vale destacar um outro conjunto de resultados, esses voltados à qualidade dos serviços públicos básicos. Nada que surpreenda, mas que deveria nos motivar a abraçar a reforma.

O Ideia ouviu mais de 1.600 pessoas visando a capturar aspectos relacionados ao regime jurídico e de contratação e promoção de servidores públicos, avaliação de desempenho, qualidade dos serviços, comparação entre os mercados público e privado de trabalho e – foco desta coluna – a avaliação dos serviços públicos de segurança, educação e saúde.

Os números da Livres/Ideia gritam. Em relação à qualidade da educação nas escolas públicas de ensino médio e fundamental, 29% dos entrevistados avaliam como péssima ou ruim e outros 39% a consideram apenas regular. Na saúde, o porcentual de péssimo e ruim atinge 34% quando se avaliam prontos-socorros e UPAs e 35% no caso de Unidades Básicas de Saúde. Quando o foco são os hospitais públicos a insatisfação chega a 45%. Na segurança, apenas 18% avaliam como ótima ou boa a qualidade do serviço. No caso de creches e centros de educação infantil, tipicamente ofertados por municípios, a satisfação chega a 34%, patamar que, embora baixo, é superior ao observado nos demais serviços.

Os números variam por região, em alguns casos, para muito pior. É o caso dos hospitais públicos na Região Norte do País, que são avaliados como péssimos ou ruins por 52% dos entrevistados. Há também discrepâncias entre regiões como no caso da avaliação da educação. No Sul, a avaliação satisfatória atinge 36% (frente ao número geral de 28%), enquanto no Centro-Oeste os mesmos 36% refletem insatisfação (29% da avaliação geral). Para creches e educação infantil o destaque positivo fica por conta da Região Sul, onde ótimo e bom atingem 47%. Mas vale notar que isso equivale a dizer que mais da metade da população não está satisfeita com a qualidade do serviço.

Os resultados apresentados corroboram outras avaliações já feitas e que sempre apontaram na direção da baixa qualidade dos serviços públicos. Estudos e pesquisas publicados nos últimos anos pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), vêm medindo a percepção da população em relação à qualidade dos serviços do Judiciário e da saúde, segurança e educação públicas. Os números da CNI nunca foram animadores.

Na segurança, em pesquisa divulgada em 2016, metade dos brasileiros considerava péssima a situação da segurança pública no País e seis em cada dez consideravam que ela havia piorado em relação a anos anteriores. Na saúde, a melhoria no atendimento público se mantinha no topo das três principais prioridades pelo quinto ano consecutivo em pesquisa divulgada em 2018. Em relação à educação básica, a avaliação de preparo dos alunos que concluem o ensino fundamental e médio nas escolas públicas piorou ao longo das três avaliações feitas. Nelas, o porcentual de entrevistados que avaliou os alunos como pouco preparados ou não preparados subiu de 39% em 2010 para 55% em 2017. Numa avaliação mais geral, feita em 2016, 90% disseram que a qualidade dos serviços públicos deveria ser melhor considerando o valor dos impostos.

Segurança pública eficaz reduz as chances de ser o crime a melhor (senão única) alternativa de renda; saúde, além de humanidade e dignidade, tem impacto na produtividade. Educação, dentre todos os instrumentos, é o mais poderoso para garantir tudo isso junto e muito mais, além de cidadania.

Daí porque a melhoria dos serviços públicos básicos deveria ser a prioridade de um País que vê a desigualdade de renda piorar, a pobreza avançar sobre a população e a injustiça social corroer nossa sociedade.

A pesquisa Livres/Ideia joga nova luz sobre a insatisfação da população com os serviços públicos e reforça a necessidade de reformar um modelo de funcionamento da máquina pública que, além de injusto e disfuncional, concentra renda, desperdiça recursos e não entrega resultados. Buscar qualidade no serviço público exige romper com feudos e privilégios há décadas forjados por um modelo que só uma ampla e corajosa reforma administrativa poderá alterar.