Educação no Brasil: um diagnóstico das últimas décadas

June 11, 2018

Educação

Nos últimos 20 anos, a educação brasileira passou por uma verdadeira transformação. E essa grande mudança abrangeu todos os seus segmentos, seja em investimento, acesso ou qualidade. O orçamento público destinado diretamente ao setor, por exemplo, cresceu de 3,8% do PIB em 1994, para quase dois pontos percentuais a mais, chegando a 5,6% em 2014.

Com isso, após quatro séculos de exclusão educacional dos mais pobres da população, o Brasil passou por últimos 20 anos de rápido processo de expansão do atendimento escolar básico e universitário. O gráfico abaixo mostra que, na década de 80, cerca de 25% das crianças de 7 a 14 estavam fora da escola, e quase 50% dos adolescentes de 15 a 17 anos estavam na mesma situação. No entanto, a partir do final da primeira metade da década 90, essas taxas se aceleram rapidamente, até que, já em 2001, esses percentuais se reduziram para cerca de 2 e 15%, respectivamente.

Fonte: Ipeadata

A qualidade também passou por grandes mudanças. Nos anos 2000, a partir de quando se começou a medir qualitativamente o setor educacional no Brasil, observaram-se grandes melhoras.  No exame do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), aplicado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em cerca de 60 países, os alunos brasileiros melhoraram nos três quesitos avaliados entre o primeiro exame aplicado aqui, em 2000 e o de 2009. Nesse período (2000-2009), o Brasil foi o país com os maiores ganhos de performance dentre os avaliados em Matemática.

No entanto, a partir dos anos 2010s, a Educação no Brasil começou a entrar em uma encruzilhada, iniciando uma tendência de estagnação e, recentemente, até reversão dos ganhos dos anos anteriores. Seja no investimento, no acesso ou na qualidade, o país tem ainda enormes desafios, e que não parecem ter tido resposta satisfatória nos últimos anos.

Com relação ao investimento público, após rápida priorização no Ensino Básico, a partir de 2009 os recursos para cada estudante do Ensino Superior começaram a ser mantidos em cerca de 85% do PIB per capita, frente a apenas pouco mais de 20% em média para um aluno do Ensino Fundamental e Médio. Ainda, segundo um estudo do economista Marcos Mendes (2015), as despesas do Governo Federal na última década passaram também por uma priorização da Educação Superior e Profissional, indo de um percentual de 55% dos seus gastos nesse setor em 2004, para 63% em 2014.

Fonte: INEP

Essa escolha do governo, no entanto, é totalmente inadequada frente às demandas sociais do país. Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil já destoa do resto do mundo com relação à proporção de investimento por estudante no Ensino Superior, comparado ao investimento por estudante no Ensino Básico. Por exemplo, os países da OCDE gastam com cada estudante de ensino superior 1,5 vezes o gasto do ensino médio. No Brasil, por outro lado, essa proporção é de 3,63 vezes, mais que o dobro, portanto, da média internacional.

Essa situação se mostra ainda mais grave quando se atesta que, apesar dos avanços dos anos anteriores, a probabilidade de se formar no Ensino Médio ainda se reduz dramaticamente quão mais baixa é sua classe social, como mostra o Gráfico abaixo. Portanto, priorizar o orçamento público para o Ensino Superior, ainda mais em um país em que grande parte da população mais pobre não consegue nem um diploma secundário, significa verdadeiramente uma priorização dos recursos públicos para os mais ricos.

Fonte: PNAD Contínua 2017

Mas, de fato, não se pode dizer que o Brasil não tem também aumentado o investimento público no Ensino Médio. Na verdade, essa foi área em que mais se aumentou o gasto recentemente, indo de R$ 2,980 (em reais de 2014) a R$ 6,021 no período de 2011 a 2014, um aumento de mais de 100% em apenas seis anos. Essa notícia seria de fato algo a se comemorar, caso esse avanço no investimento público nesse nível tivesse se refletido melhorias na performance educacional. No entanto, o que ocorreu foi justamente o contrário.

Como se vê pelo Gráfico abaixo, a despeito do grande aumento do investimento público no Ensino Médio, desde 2011, tem-se apresentado inflexível estagnação no exame nacional do país, o chamado de Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Essa estagnação, ainda, contrasta com os resultados do Ensino Fundamental, que tem recebido muito menos acréscimos de recursos públicos e continua a apresentar melhora no seu desempenho medido por esse indicador.

Fonte: INEP

O Brasil, na verdade, não tem mostrado eficiência nos gastos educacionais em uma comparação internacional. O resultado recente do Brasil no PISA, por exemplo, contrasta com seu nível de investimento público em educação com relação ao resto do mundo. Apesar de grande nível de investimento público brasileiro na educação básica, acima da média mundial, nossa performance ficou praticamente a mesma a partir de 2012 em leitura e ciências, e efetivamente piorou em matemática em 2015, passando do terceiro colocado para o último entre os cinco países da América Latina que participam da prova, perdendo posição para a Colômbia e o Peru.

Em uma análise mais detalhada, pode-se avaliar o efeito dos gastos dos países com educação primária e secundária sobre a nota do PISA de Matemática. Juntando uma base de dados do Banco Mundial e outra da própria OCDE, ao fazer uma regressão em painel simples, com todos os países aplicantes do PISA de 2006 a 2015, controlando por PIB per Capita, ano, porcentagem de pais muito escolarizados e percentual de mulheres na população, encontra-se um efeito positivo médio de 0,58% sobre o desempenho do PISA de um aumento de um ponto percentual da proporção de gasto com educação básica sobre o PIB per Capita, que vai diminuindo progressivamente conforme aumenta esse nível de gasto.

Quando, no entanto, interagimos os gastos com os resultados do Brasil, encontra-se um resultado 28% menor do efeito dos investimentos públicos em educação sobre a nota no PISA. Isso significa que, com relação ao resto do mundo, os gastos do governo brasileiro são mais de um quarto menos efetivos em melhorar o desempenho do país em matemática, como mostra o Gráfico abaixo.

Fonte: Banco Mundial; PISA/OCDE; Elaboração do autor

O Gráfico acima demonstra que não apenas o aumento de gastos tem efeitos limitados em todo o mundo, mas também no Brasil os investimentos públicos em educação têm ainda menor efetividade. Com isso, soluções que passem por aumento das despesas com educação não necessariamente irão resultar em avanços no aprendizado dos estudantes – a não ser que ele venha de um nível já baixo. É preciso, portanto, ir além do quanto se gasta, para se discutir como se gasta para educar nossas crianças e adolescentes.

O diagnóstico da situação da educação do Brasil é complexo. Após duas décadas de aumento do gasto, da inclusão e da qualidade, a partir dos anos 10 do século XXI, nosso país demonstra diversos sinais de exaustão de seu modelo educacional. Onde gasta-se mais, avança-se menos. Onde se precisa mais, se prioriza menos. Com relação ao resto do mundo, com maior investimento, há menor retorno sobre qualidade.

Esse é um momento, portanto, de encruzilhada, no qual não podemos ficar para trás. O mundo avança cada vez mais na fronteira tecnológica, exigindo cada vez mais escolaridade e conhecimento, com maior qualidade, de modo a possibilitar uma transição de empregos manuais e semianuais para puramente intelectuais. Ficando para trás, não apenas o Brasil será relegado para a periferia do mundo, como também permanecerá um país extremamente injusto socialmente e sua desigualdade será calcada na diferença de qualidade da educação que oferece para os filhos de famílias ricas e os de famílias pobres.

*Esta é a primeira parte de uma série de seis artigos sobre a educação brasileira preparada por Daniel Duque para o Livres. Nas próximas semanas, publicaremos os cinco artigos restantes, que, ao final da série, serão compilados em um e-book da coleção Ideias em Debate.