É a previdência, estúpido

April 1, 2019

Política

Nos anos noventa, o estrategista de Bill Clinton, James Carville, foi responsável por criar um mantra conhecido nas eleições mundo afora: “é a economia, estúpido”. Isto é: não existe nada excepcional na conexão entre o resultado das eleições e as condições econômicas do País.

Excepcional é não compreender uma relação tão óbvia: se a economia vai bem, o Governo possui grandes chances de reeleição – caso contrário, a oposição ganha força.

O que essa anedota tem a contribuir analiticamente para compreendermos os primeiros três meses do Governo Bolsonaro?

Primeiro: que existem algumas especulações sobre as estruturas que regem a política que não consistem, exatamente, nessa pergunta “o que define o resultado positivo de uma eleição?”, mas “o que vai determinar os resultados positivos (ou negativos) do primeiro ano de governo?

E a resposta é mais simples do que parece: é a Previdência, estúpido.

Às vezes o óbvio precisa ser dito: o grande catalisador da política nacional é a reforma da previdência. Em outras palavras, é a reforma que determina a dinâmica da formação de agenda, do mercado e da sua conversa de bar durante 2019 – ano em que assistimos a eleição de um presidente controverso, porém popular, mas que passa por sucessivos momentos de “tropeços nos tapetes das etiquetas congressistas”.

E nem adianta reclamar, Rodrigo Maia, não se trata de “deserto de ideias”. Apenas compreender que, como diria Raymundo Faoro sobre a hiperinflação nos anos 80, “a verdade é que os fatos são teimosos” e a situação fiscal do século XXI também.

Sendo a eleição reforçada por uma campanha que prometeu destruir o pacto entre políticos tradicionais, burocratas, setores de interesse e empresários subsidiados, as expectativas em janeiro eram altíssimas depois de capítulos de recessão, impeachment, prisão de ex-presidente, fake news, lutas ideológicas e facadas.

O mérito da “onda liberal-conservadora” foi conseguir vencer a eleição deixando claro que a reforma é necessária, mesmo que não esteja garantida no Legislativo.

Entretanto, a sensação de indefinição do calendário, o abalo da imagem técnica do governo – que durante a campanha foi reforçada por figuras como Paulo Guedes – em detrimento do aparecimento dos filhos e de novos personagens tão performáticos e peculiares como a ministra da Família, produzem um cenário de desconfiança.

As redes sociais foram protagonistas das eleições, e continuarão. O político, na sua relação com o eleitor, tem benefícios na conexão direta com um público quase como alguém que produz “entretenimento”.

Um caminho perigoso? Sim, porém um preço a se pagar para jogar o jogo da atualizada Realpolitik.

Por outro lado, as notícias produzidas – muitas vezes, sim, dispostas tão somente a produzir cliques -, contribuem para a imagem de desordem, pois dão preferência à excepcionalidade de governo.

Mas convenhamos: nenhuma versão pacificada dos fatos, muito menos os relatórios e memorandos, correspondem à necessidade da linguagem instantânea da rede para quem produz a notícia e da leitura instantânea para quem consome. Como vender o oficial burocrático?

Ainda assim, temos a comum expectativa de que o Estado, como instrumento oficial e legítimo, tenha condições de manter a estabilidade e normalidade cotidiana. Ao trazer a público as tramas invisíveis dos bastidores – que às vezes nem tão bastidores são, tendo em vista a “nova era” das redes sociais -, a dificuldade de estabelecer uma hierarquia entre o que é uma informação ou uma fofoca acaba ofuscando os planos oficiais que são trocados pelas narrativas cômicas acessíveis em um clique.

Entretanto, não considero que seja “a mídia” o agente capaz de comprometer seriamente o primeiro ano do governo Bolsonaro. Todavia, o fracasso da Reforma da Previdência, sim. E o perigo da derrota abrange também a possibilidade de atraso da votação para 2020 (ano em que está prevista a possibilidade de recessão global) e a aprovação de uma Reforma branda, que não resolva o problema.

O aparente apoio popular responsável pela eleição escondeu dificuldades que eram previsíveis do cenário político: dificuldades de ter apoio no Senado e na Câmara, imprevisibilidade nas ações do Congresso – tendo em vista o novo paradigma de bancadas temáticas não corresponderem à tradicional coordenação partidária – e o desafio de articular os diversos interesses do Legislativo e de categorias organizadas sem contradizer a narrativa de “renovação” propagada ao longo da campanha.

Como disse Paulo Guedes, “o Governo não pode ser opositor de si mesmo”. Por outro lado, se a reforma fosse fácil ela já teria sido feita, não é mesmo?

Dessa forma, a aprovação é tão determinante pelos mesmos motivos que a economia pode definir uma eleição – são as condições econômicas de um país que, muitas vezes, mantém ou não um Presidente em democracias.

Um dos resultados mais positivos da conversa entre Paulo Guedes e os Senadores nesta semana é a narrativa de consenso (inclusive entre os representantes da esquerda) em torno da necessidade da reforma. Mas não se anime, não existe nenhum entendimento (e dificilmente existirá) entre o que seria um modelo de Previdência para Paulo Paim/PT e Paulo Guedes, apesar do aparente diálogo “elegante” (usando as palavras do próprio Paim) e, ao mesmo tempo, provocativo entre os dois.

Como diria Popper “é nosso dever nos mantermos otimistas (…) O futuro está em aberto. Não é predeterminado e, deste modo, não pode ser previsto – a não ser por acidente. As possibilidades contidas no futuro são infinitas”.

Portanto, espere… o mundo não acabou, pelo menos ainda.