Desburocratização do Financiamento da Cultura

October 27, 2022

Cultura

Nas cidades brasileiras, principalmente nas capitais, os principais equipamentos culturais públicos e privados encontram-se nas regiões centrais, longe das periferias.

Assim, uma parcela da população não tem fácil acesso a bibliotecas, salas de cinema e teatro, exposições etc.

A distância entre a periferia e a vida cultural de uma cidade é, assim, um fator de exclusão social. Além disso, ao não frequentar esse universo, cria-se uma nova barreira – não mais física, mas no imaginário, como se esses ambientes não fossem próprios para a população periférica. Atualmente já existem uma série de recursos financeiros voltados para a cultura, que nem sempre atendem os artistas da periferia, devido a burocracia no acesso a esses recursos.

Então, deve-se focar na melhoria das políticas públicas existentes, para que estas promovam novas oportunidades a quem não tem. Dado que é inadequado que burocracia impede quem mais precisa de acessar as políticas de cultura. 

Editais no setor cultural existem hoje como políticas de estado. Viabilizam todas as expressões artísticas e culturais, de pequeno a grande porte. Mas na prática, somente grandes artistas e produtores têm acesso ao patrocínio de empresas (via incentivos fiscais), o fomento direto acaba sendo a única opção para artistas e profissionais da cultura dos bairros periféricos. Então, a burocracia necessária também se torna uma barreira.

Embora regras sejam importantes visando pelo uso eficiente do dinheiro público, os Editais do setor cultural costumam ser bem burocráticos. O proponente deve enviar, no ato da inscrição, documentos de identidade, comprovantes de residência, certidões negativas, pré-contratos de todos os colaboradores – além de todo o conteúdo artístico. Adiante, os projetos contemplados passam por uma rigorosa prestação de contas. 

Essa burocracia necessária acaba sendo um obstáculo muito grande aos moradores da periferia – diferente para um público da classe média que tem alcance a todos esses documentos, além de assessoria contábil.

Como manifestação dessa concepção, está a ideia de pluralismo sócio-cultural, onde a sociedade, no mínimo, tolera as diferenças (principalmente culturais), os costumes e os hábitos mais distintos possíveis. Não há liberalismo sem democracia, de um lado, e respeito à pluralidade, de outro.

  • Contas bancárias para movimentar a verba do edital só podem ser abertas no Banco do Brasil, onde muitos artistas periféricos alegam sofrer preconceito;
  • Exigência de comprovantes de residência, uma vez que muitos artistas periféricos moram em ocupações;
  • Exigência de certidões negativas;
  • Preenchimento dos formulários que pedem sinopses, justificativas e perfil do público-alvo;
  • Os cachês autorizados são muito inferiores aos praticados no mercado;
  • Exigência de notas fiscais dos serviços prestados por artistas que não tem meios de constituir um CNPJ

Os editais que atendem aos artistas periféricos precisam ser desburocratizados e simplificados. Além disso, o poder público deve oferecer capacitação para os artistas – por exemplo, ensinando a preencher os formulários. 

O Programa VAI (Programa da Valorização de Iniciativas Culturais, Lei n. 13.540/03) da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo apoia atividades artísticas e culturais de jovens de baixa renda. É referência de editais mais acessíveis ao público da periferia – sendo o VAI1 a linha mais simples, destinada a grupos e coletivos compostos por pessoas físicas, prioritariamente jovens com idade entre 18 e 29 anos.

Desde sua implementação, coletivos culturais foram organizados em bairros sem nenhum equipamento público em virtude de um processo seletivo focalizado e simplificado –  em comparação com os tradicionais editais de secretarias municipais e estaduais. Em 2022, foram contemplados projetos de coletivos localizados nos bairros de Itaquera ao Grajaú, formados por artistas em condição de vulnerabilidade social. Ainda assim, integrantes dos coletivos consideram que os editais são complexos para essa população.

O Projeto de Lei nº 3905/21, em tramitação na Câmara Federal, estabelece o marco regulatório do fomento à cultura e apresenta algumas soluções nesse sentido. 

Para agentes culturais integrantes de grupos vulneráveis, o edital poderá ser inscrito oralmente (art. 8º, §6º, I) e se um coletivo cultural não possuir constituição jurídica, uma pessoa física poderá assinar o contrato como seu representante legal (art. 8º, §6º, II). A comprovação de endereço também poderá ser dispensada se o agente cultural pertencer a comunidade indígena, quilombola cigana ou se encontrar em situação de rua (art. 10, §8º).

A prestação de contas para projetos com valor de até R$ 200 mil poderá ser cumprida por meio de esclarecimentos presenciais com visita técnica de um agente público, o qual verificará se houve o cumprimento do contrato (art. 18, §1º).

Tais propostas, a serem debatidas no Congresso Nacional, podem facilitar o acesso a artistas e produtores periféricos a recursos financeiros  de políticas públicas já existentes, passando a ter poder de transformação social e atingir quem não conseguiria financiamento no mercado tradicional.