Stuart Mill, o liberalismo utilitário e a defesa da liberdade

March 7, 2020

Liberalismo

Liberdade de Expressão

Stuart Mill foi um liberal utilitarista que se inspirou nas ideias de pensadores franceses. Seus ideais romperam com o contratualismo de Locke e defendiam abertamente uma teoria política progressista radical para a época em que foi formulada. O sexto autor a ser analisado pelo Clube do Livro escreveu “Sobre a Liberdade”, uma obra em defesa da autonomia e da liberdade de expressão como forma de se desenvolver uma sociedade.

Estudar Mill é estudar um autor que mudou as suas ideias ao longo dos anos a partir dos embates com outros acadêmicos. É, também, ter acesso aos primeiros impactos que Da Democracia na América, de Alexis de Tocqueville, causou no mundo. Também é encontrar uma das melhores defesas já feitas sobre a liberdade de expressão e o direito à autonomia diante dos poderes da maioria da sociedade.

Continue a sua leitura e veja a importância de Stuart Mill para o século XXI!

John Stuart Mill: um libertário progressista

John Stuart Mill nasceu em Londres, em 1806. Filho de James Mill, foi educado nas bases da filosofia utilitarista. Desde cedo, teve uma formação direcionada para fazer de Mill um gênio. Isso garantiu a ele o acesso precoce a obras clássicas, como os textos de Heródoto e Platão

Ao longo da vida, Mill se destacou por obras como Sobre a liberdade, Princípios da Economia Política, Sobre a sujeição das mulheres, Considerações sobre o governo representativo, e Utilitarismo. Foi profundamente influenciado por Harriet Taylor, a quem dedicou parte da sua obra e grande parte do amor que pode dar a outra pessoa. Foi, em parte influenciado por Taylor, um grande defensor dos direitos das mulheres.

Influenciado por Tocqueville, Mill adotou um respeito profundo pela ideia de um civismo público e a ideia de que a participação democrática tem um grande valor para a formação das pessoas. Mas, apesar de incorporar os alarmes de Tocqueville ao despotismo social em contraponto ao político e a necessidade de uma democracia participativa, não tinha as mesmas inclinações religiosas e o verniz aristocrático do autor francês. As ideias de Mill, ao longo de toda a sua vida, foram muito mais progressistas do que a do sociólogo da democracia.

Stuart Mill era um liberal pessimista. Mas isso não o impediu de pensar ideias progressistas e direcionadas para os menos favorecidos da sociedade. Foi preso por fazer propaganda a favor do controle de natalidade e propôs a reforma agrária e cooperativa de produtores para democratizar a propriedade. Ainda que, em alguns instantes, defendesse propostas polidas de elitismo, o seu liberalismo não pode deixar de ser visto como a ponte entre o liberalismo clássico e o liberalismo social.

A importância da liberdade de expressão como forma de desenvolver a sociedade

O texto de Sobre a liberdade é tradicionalmente conhecido pela defesa que Stuart Mill faz sobre a liberdade de expressão. Valor absoluto para o filósofo, ela abria espaço até para ideias consideradas imorais ou falsas. Afinal, ao contrário de outros utilitaristas, Mill fundamenta a sua defesa da liberdade de expressão não no combate à tirania, mas sim na busca por caminhos que permitam o desenvolvimento humano.

Acreditar que opiniões devam ser censuradas é acreditar na infalibilidade de uma ideia. E, ainda que ela esteja certa, se opor ao contraditório é deixar de validar a sua autenticidade. Afinal, como o autor aponta, “nunca podemos ter certeza de que seja falsa a opinião a qual tentamos sufocar; e, se tivéssemos certeza, sufocá-la seria, ainda assim, um mal.”

A única maneira de garantir que uma opinião é a correta se dá pela discussão com opiniões contrárias. O debate livre tem como base o reconhecimento de que todas as crenças da humanidade são provisórias e estão sujeitas a revisões. Ao limitar que um pensamento seja expressado, ainda que ele seja minoritário, podemos correr o risco de sufocar outras verdades e impedir o progresso da humanidade.

Um conceito de liberdade pautado pela autonomia individual

Sobre a liberdade conseguiu unir várias forças liberais em um único texto. As ideias da obra, especialmente a valorização da liberdade de expressão e da autonomia, foram incorporadas até por libertários.

Como elencou Merquior na sua enciclopédia sobre a tradição liberal, “liberdade política, autonomia negativa, autodesenvolvimento, liberdade como intitulamento, liberdade de opinião, liberdade como autogoverno, liberdade como privacidade e independência” são alguns conceitos trabalhados pelo texto.

Mill consagrou a sua vida para a defesa da liberdade. O filósofo tentou, em Sobre a Liberdade, definir um modelo simples para regular as ações entre os cidadãos, a sociedade e o Estado. Ele deveria ser capaz de preservar a autonomia individual e, ao mesmo tempo, evitar a tirania da maioria.

Em poucas palavras, Mill define que somente a autoproteção pode ser utilizada como motivo para a interferência nas ações alheias. Em outras palavras, tudo é permitido ao indivíduo, desde que as suas ações não causem danos a terceiros.

Há também, para Mill, legitimidade no uso da opinião pública para convencer pessoas a não tomarem determinadas medidas, como é o caso das campanhas contra o uso excessivo de álcool. Mas, ainda assim, ninguém poderá ser reprimido diretamente por fazer ações que afetam apenas a sua vida. Os limites da individualidade podem ser vistos, também, a partir de quatro pontos:

  • todas as pessoas podem desenvolver de maneira autônoma o seu projeto de vida;
  • a sociedade deve proteger a liberdade de indivíduos se desenvolverem de modo autônomo e, em troca, os seus membros não devem interferir nos direitos legais alheios;
  • o indivíduo “pode” causar danos a outras pessoas, porém;
  • os danos que são causados a outras pessoas têm como consequência uma punição proporcional.

Ao pensar a liberdade como algo fundamental para o desenvolvimento humano e o progresso utilitarista, Mill se aproxima de Humboldt e se une aos liberais que pensam nas condicionantes para garantir uma experiência cívica plena.

Era um liberalismo utilitarista, hoje em dia não bem visto por muitos companheiros da defesa da liberdade. Mas era, também, um liberalismo apaixonado por criar as condições para um desenvolvimento humano completo e autônomo.

Ao longo de sua vida, Stuart Mill não abandonou a sua repulsa à um ideal de tecnocracia autoritário comtiano. Envolto no otimismo com as revoluções de 1848, o seu liberalismo se tornou mais progressista e próximo das esquerdas. Duas décadas depois, publicou “Sobre a liberdade e A sujeição das mulheres”, uma das primeiras obras que defendiam um ideal maior de autonomia feminina.

Sobre a liberdade é uma obra que se mostra de grande relevância nas primeiras décadas do século XXI. Em uma época em que esquerdas e direitas levantam-se contra a possibilidade de se exercer o bom debate, este pequeno livro nos mostra o poder das diferenças. Sem elas, nos tornamos uma sociedade sujeita às tiranias da opinião da maioria e altamente propensa ao fracasso.

O Clube do Livro se reunirá no domingo, dia 15 de março, para debater a obra e o pensamento de Stuart Mill. Faça aqui o seu cadastro para receber o link para o nosso webinar e entre para o nosso grupo no Whatsapp!

– Para entender Stuart Mill:

  • Os dois episódios do podcast In Our Time, da BBC, sobre o utilitarismo e o pensamento de Mill.
  • A introdução de Isaiah Berlin sobre Stuart Mill na tradução brasileira de Sobre a liberdade publicada pela editora Martins Fontes.
  • O capítulo sobre a tirania da maioria em Da Democracia na América, de Tocqueville.
  • Governo Representativo, também de Stuart Mill.
  • O livro John Stuart Mill & A Liberdade, de Mauro Cardoso Simões.