As eleições passam, os verdadeiros líderes ficam

November 23, 2022

É difícil imaginar quem tenha saído ileso da eleição mais acirrada da história. Com uma diferença de pouco mais de 2 milhões de votos entre os candidatos que chegaram ao segundo turno, as eleições presidenciais foram o fiel retrato da sociedade brasileira dividida. Embora tenhamos consciência dos malefícios de tanta polarização, será preciso muito mais do que a euforia da Copa do Mundo para curar essas feridas. A saída pode estar nas mãos de líderes públicos, que precisam ser maduros e estar cientes da sua responsabilidade de nos conduzir para fora desse caos.

Nos últimos meses, não se viu debate propositivo, mas sim agressividade, radicalismo e defesas de verdades absolutas. A divisão da disputa da Presidência deixou sua marca no Legislativo, afetando a composição da Câmara dos Deputados, no Senado e das assembleias legislativas ao redor do Brasil. A mensagem das urnas foi clara: à parte dos candidatos que possuíam bases eleitorais muito firmes, quem não estava em um dos barcos, do Bolsonarismo ou do Petismo, não conquistou o voto.

A onda de “renovação”, que em 2018 teve seus 15 segundos de fama, ficou no passado. Excelentes candidatos, jovens qualificados de diversos espectros ideológicos, foram arrastados pela onda da radicalização e tiveram votações muito abaixo do esperado. Para o eleitor de 2022, era preciso ter um lado muito claro ou uma base eleitoral extremamente firme.

Os moderados foram excluídos do debate. Os que não embarcaram em nenhum dos dois lados da polarização, foram empurrados para aquilo que se chama de Espiral do Silêncio. A teoria da alemã Elisabeth Noelle-Neumann diz que, em meio a uma maioria com opiniões muito claras, as minorias que discordam tendem a se calar. Diante de pressões ditas e não ditas, aqueles que pensam diferente começam a se expressar menos, com receio de sofrerem represálias e serem isolados socialmente.

Em meio à cacofonia das redes, o silêncio foi a melhor saída para muitos. No meu caso, foi uma decisão deliberada de não somar às vozes de líderes políticos que optaram por engrossar o caldo da polarização. A sociedade moderna, digitalizada e dependente das redes sociais, está acostumada a exigir que líderes se posicionem sobre absolutamente tudo – seja para rechaçá-los, seja para adorá-los. Mas o líder não é um mero comentarista, e sim alguém que engaja as pessoas e aponta caminhos. Ter sabedoria diante dessa responsabilidade é fundamental.

Em momentos difíceis como o que vivemos, costumo usar a técnica da “pista de dança/camarote”, uma das habilidades de liderança que aprendi na especialização em Gestão e Liderança do Centro de Liderança Pública. No livro Liderança no Fio da Navalha, Heifetz e Linsky usam a metáfora do camarote e da pista de dança para reforçar a necessidade do líder de ser capaz de sair do meio do caos e observá-lo à distância quando necessário. Cercado pela profusão de atores e seus dilemas, o líder deve conseguir sair da pista de dança, onde a ação acontece, e subir ao camarote, onde pode ver tudo em perspectiva. É essa competência que nos permite ter um olhar de ponta, entendendo as dores das pessoas, mas ao mesmo tempo ter uma visão sistêmica, fundamental para tomar boas decisões.

A diferença entre ser um bom líder e não ser, é saber da sua responsabilidade na tomada de decisão e no impacto que ela terá nas pessoas que o seguem. Diante do caos, da violência, da ruptura e da polarização que vivemos, precisamos de líderes públicos que tenham a capacidade de se retirar do olho do furacão e pensar com clareza, em vez de bagunçar ainda mais o meio de campo.

Não sabemos exatamente ainda qual estratégia vai nos tirar dessa ruptura, um plano seguro que seja capaz de criar os alicerces para um Brasil menos dividido e radicalizado. Tenho dificuldade de acreditar que exista uma fórmula pronta, mas acredito muito no poder do trabalho duro pelo que é mais prioritário. O Brasil de hoje, dividido e machucado no campo das ideias, enfrenta uma série de desafios extremamente concretos e urgentes, aos quais a nossa liderança é chamada à ação. O meu convite é que comecemos por eles, do micro ao macro. Talvez assim encontremos um caminho para reconstruir o Brasil.

Artigo publicado originalmente no Estadão